Novos Caminhos, Velhos Trilhos

março 26, 2016

AS COISAS NÃO SÃO TÃO SIMPLES

Filed under: Sem categoria — sdusilek @ 8:46 pm

Recentemente  tomei conhecimento da decisão da Igreja Batista do Pinheiro (AL) que em Assembléia e após um longo período de oração e reflexão resolveu acolher em seu rol de membros pessoas homo-afetivas. Também tomei conhecimento que a liderança denominacional quer com certa celeridade resolver essa questão.

Não estou aqui, nesse texto, à defender à Igreja nem a causa que ela abraça. Acho estranho a necessidade de sua liderança em dar publicidade ao fato, como que querendo protagonizar a história. Desnecessário, na minha visão.

Meu objetivo aqui é levantar algumas questões que denunciam a dificuldade no trato desse assunto. Para você perceber a complexidade disso, o que a Convenção vai fazer? Excluir a Igreja que dentro da observância eclesiológica batista tomou tal decisão? E as Igrejas que sofrem com lideranças e determinações autocráticas e que, portanto, ferem a eclesiologia (doutrina) batista… serão também excluídas? Ou ainda: seus líderes serão expurgados por não mais serem congregacionais no modo de governo?

Qual doutrina batista a IB Pinheiro feriu? Ela disse que Deus criou macho, fêmea e gay? Que a criação foi de Adão, Eva e Evo? Ela disse que vai promover a prática homo-afetiva ou “somente” estendeu a mão para o acolhimento? Alguém poderia alegar que a Igreja não pode conviver com o pecado. Ok, mas uma pergunta: com qual tipo de pecado que não pode? Uma espiritualidade agressiva como a de Pedro que corta a orelha de Malco é aceitável por ser símbolo da macheza? Uma espiritualidade policial como a de Tiago, irmão de Jesus, que só reconhece a existência de uma Igreja (Atos 15) quando ele chancela é a que se quer promover? Quem é Tiago diante da ação do Espírito? Perceba que desde sempre tem líderes que querem controlar e conduzir o Espírito, e não o contrário.

Por acaso houve algum estudo sério, com notáveis teólogos e pensadores batistas sobre esse assunto para balizar essa questão? Aliás temos um formalmente composto? Ou um grupo de líderes que nunca sequer ouviu falar da existência de uma teologia queer, é que foi auscultar a Igreja que tomou aquela decisão, revelando total despreparo?

Outra linha de questões… vai começar uma limpa no rol de igrejas cooperantes com a Convenção Batista? Esta limpa vai começar pela quebra doutrinária ou moral? Igrejas com nomenclatura Batista que há muito deixaram de ser, vão ser excluídas também? É um novo racha (sempre no rastro de um “golpe” político) pelo prisma do expurgo? E as igrejas com liderança nefasta (pastores mostrados em jornais televisivos envolvidos em escandalos de corrupção política, com prostituição, com desfalque, etc.)… vão ser excluídas também? Ah! Aqui a coisa fica mais difícil não é mesmo? E as comunidades batistas que possuem na sua membresia gente dada ao vinho, mentirosos, adúlteros,… como por exemplo era a Igreja de Éfeso (leia os caps. 4 e 5) e que lá permanecem porque são da elite eclesial ou porque possuem um poder “dizimal” sem igual… vão ser excluídas também? Uma pergunta: quem vai ficar no final? Será que sobra uma igreja no rol da Convenção? Ou os demais pecados podem e somente a questão homossexual é que agride? E agride porquê? Por conta de preconceito e homofobia? Mas excluir uma igreja que aceita homo-afetivos e manter as demais que aceitam, por exemplo (aproveitando o foco do momento) autoridades corruptas não seria uma hipocrisia denominacional? E o que Jesus mais detestou não foi o fermento dos fariseus? Não corremos o risco de assinar um atestado de farisaísmo tardiamente moderno com uma decisão como essa? Queremos ser uma denominação legalista, farisaica, ou com a cara de Jesus? Será que Jesus rejeitaria uma comunidade porque ela foi aberta para abraçar pecadores? As coisas não são tão simples…

E por que discutir isso agora? Num momento em que o país pega fogo, em que uma nação é dividida pela espada política; momento no qual há densa tensão no ar? Momento muito parecido com o contexto do golpe de 1964… Marinha americana no Brasil… campanha de oração entre os batistas (por exemplo (alguém sabe se isso está ocorrendo em alguma outra denominação também?) marcada para o dia 31/03… Novamente as pedras clamando e os batistas voltados para questões intestinas de menor importância… Sim meu querido, isso é de menor importância. Pode esperar, até mesmo porque a decisão da Igreja já foi tomada e acho muito difícil que ela retroceda.

Eu só lamento e às vezes me permito pensar que tais assuntos são premeditadamente trazidos à tona em determinados contextos político-sociais. E espero que os batistas não assinem o atestado de farisaísmo. Pelo menos não agora.

Pr.Sergio Dusilek

sdusilek@gmail.com

março 24, 2016

Integridade e Verdade a serviço do púlpito.

Filed under: Sem categoria — sdusilek @ 3:01 pm

O sonho de todo pregador é ser ouvido. Para isso ele se prepara. Com esse legítimo desejo se preocupa com a localização da igreja que pastoreia, buscando facilitar o acesso a todos. Preocupa-se com endereços mais vistosos que possam despertar o interesse alheio. Gosta de ver a “casa cheia”.

Mesmo com esses cuidados no preparo do sermão, na busca por uma localização fácil, na unção que Deus derramou sobre ele na forma de dom, na condução de um povo amável e hospitaleiro, teria algo mais que o pregador fizesse e que redundasse em interesse para ouvi-lo? Haveria algo mais que pudesse açambarcar essa atenção?

Interessante que alguns dos grandes pregadores do Novo Testamento fizeram fama na contramão do que um pregador sensato julgaria razoável. Jesus por vezes pregou para multidões no deserto (numa delas multiplicou 5 pães e 2 peixes). Filipe largou um concorridíssimo púlpito em Samaria para pregar ao mordomo de Candace no deserto (At.8). Mas sem dúvida alguma a figura mais intrigante que emerge das primeiras páginas do novo testamento é a de João Batista.

João desdiz tudo o que se aprende num seminário sobre a apresentação do pregador. Figura estranha que era, usava uma roupa diferente das dos demais (Mt.3:4), tinha uma dieta esquisita (comia gafanhotos e mel – 3:4b), mas um poder de atração inigualável. Ao contrário da facilitação de muitos pregadores, sua mensagem era duríssima. João não colocava curativos nos seus ouvintes. Ele abria feridas (Mt.3:7) as quais somente o bálsamo celestial podia curar.  Seu lugar de pregação era o deserto (Mt.3:3,5). Mas as pessoas acorriam para ouvi-lo. O que ele tinha que todo pregador pode buscar? Um misto de integridade, verdade e persuasão. Se sua aparência provocava repulsa inicial para alguns, sua essência efetuava enorme atração sobre todos. Sua pregação foi tão conhecida que chegou ao palácio dos governantes do seu tempo.

 

  • O Elo Perdido Ministerial – a Integridade

Integridade é o contorno bem delineado de um caráter aprovado. É a característica pela qual uma pessoa é inteira. Uma pessoa bem resolvida costuma possuir integridade. Ela não é garantia de erros, mas a certeza de que não se convive neles. Uma pessoa íntegra é limpa de alma e pura de coração.

A integridade pode ser cultivada pela opção prévia pela retidão. Tomar a decisão de jamais negociar valores eternos e pessoais antes de acontecer qualquer convite contrário. Integridade se aprimora com uma vida de devoção. É cuidando da essência que ela floresce. E aqui reside o grande problema.

Numa cultura que valoriza a aparência e o estético há pouco tempo para se investir no essencial, no ético. Essa ausência de tempo para abastecer o mundo interior se manifesta na diminuição do tempo de influência do pregador. Valores são ultrajados levando o pregador perder seu coração, sua alma. E no momento em que o coração deixa de ser altar e passa a ser balcão, isso se refletirá na mensagem.

João possuía uma integralidade na mensagem. Falava o que estava em seu coração. Certa vez, ao ouvir sobre o ministério de Jesus, ele indagou o Mestre se porventura era ele mesmo o Cristo (Mt.11). Pra fazer isso é preciso uma dose extra de integridade, concorda?

Essa integridade de João Batista fazia com que ele dissesse o que poucos falavam. Definitivamente com ele não havia essa de “mais do mesmo”. Perceba que muito da eficácia da pregação se deve a coerência do pregador. Quando o povo percebe que o pregador não vive (ou tenta viver) o que prega, a mensagem é desprezada. João condenou a hipocrisia do seu tempo não só denunciando-a, mas sobretudo vivendo de modo coerente.

A integridade de João fez com que ele vivesse o que poucos viviam. E onde reside coerência, sinceridade, num mundo de tanta falsidade, sempre despertará a curiosidade alheia. As pessoas procuram pessoas inteiras com as quais desejam se achegar. Quando os moradores de Jerusalém e da Judéia ouviram que em algum ponto perto do Jordão havia um homem íntegro, eles foram vê-lo e ouvi-lo. Não há distância que separe um ouvinte de um bom pregador que possui uma vida ilibada.

Nessa relação de observação entre ouvinte-pregador a integridade corrobora para dar forma a um dos principais papéis daquele que fala: dar uma leitura espiritual, bíblica, às vicissitudes que a todos acometem. O orador não está isento de problemas. Porém ele precisa ser capaz de dar uma leitura espiritual aos que enfrenta. A integridade permite ao pregador superar os “trancos” da vida com “lascas”, pedaços tirados, mas sem desfazimento do seu ser interior. E assim, mesmo sentindo dor na alma, pode fazer uma leitura espiritual da sua vida.

 

2- O Papel da Verdade

Não falamos aqui de uma verdade filosófica ou mesmo de uma verdade circunstancial (que nada mais é que a percepção de um fato por diferentes pessoas). Falamos da verdade sem adjetivações. A verdade é; a mentira não é. Verdade tem peso por si só.

A verdade tem importância para nossa vida e para aqueles que nos cercam. Verdade é alicerce do caráter. Desnecessário dizer que é impossível ser íntegro sem que haja verdade.

A verdade precisa ser dita para que o erro seja corrigido e o pecado abandonado. Não era isso que acontecia às margens do rio Jordão? João Batista falava a verdade e havia arrependimento nos seus ouvintes (Mt.3:6). Sua integridade era o anteparo que confirmava cada verdadeira palavra que dizia.

O pregador é anunciador da verdade. Toda verdade tem morada em Jesus (Jo.14.6), sendo Cristo a verdade maior que une todas as demais. É pelo fato de ser A verdade que o nome de Jesus tem tanto poder de convencimento e de “conversionamento”. Não cabe ao pregador anunciar uma verdade vivendo ele uma mentira. É preciso que haja inteireza de ser.

A verdade se manifesta pela via da sinceridade. Ser sincero é ser sem cera. No mundo antigo, comerciantes costumavam passar um pouco de cera em vasos trincados, para que o comprador, sem perceber, pudesse levá-lo para casa. A única forma de não levar um produto defeituoso era colocando o vaso contra o sol, pois este revelava todos os contornos deste. Inclusive se havia recebido uma dose de cera ou não. Vaso bom então era o sem cera.

Sinceridade é o que falta nesse mundo de conveniências. E onde há conveniência sempre florescerá a hipocrisia. E hipocrisia é erva daninha que sufoca a verdade.

Cabe ao pregador procurar ter uma vida sincera, deixando que a verdade transpire não só no púlpito, mas em todos os lugares.

 

3- Conclusão;

Interessante notar que os evangelhos retiram do pregador o peso do sucesso da pregação. O convencimento cabe ao Espírito Santo. Mais interessante ainda é que em Atos (18:4,13; 19:26; 26:28), o resultado da ação do Espírito na vida de pregadores íntegros que falavam a “palavra da verdade” é chamado de persuasão. Persuasão não é então, na linguagem bíblica especialmente em Atos, uma ferramenta a disposição do pregador. É o impacto que uma vida íntegra, com uma boca cheia da verdade, debaixo da instrumentalidade do Espírito, promove no coração daqueles que ouvem.

Não importa o lugar onde você está. Importa sim estar onde Deus quer que voce esteje. Porque o Senhor o usará mesmo que esteja no deserto.

março 8, 2016

OASIS NO DESERTO

Filed under: Sem categoria — sdusilek @ 6:58 pm

[Publico aqui um texto do meu falecido pai que é um pouco extenso, contudo continua sendo atual.] [Darci Dusilek – 1985 – Publicado na Revista Missão n.1]

Demos início a arrancada para o segundo século. Uma febril fermentação se verifica entre os líderes da denominação, das igrejas e do povo em geral. Artigos, palestras, congressos de reestruturação, discutem alternativas, novas propostas de objetivos e metodologia. No presente, fala-se do passado e do futuro. Ou, procura-se transpor as glórias e conquistas do passado para o futuro. Críticas a idéias, indivíduos, estruturas, se fazem ouvir de todas as partes e fontes. Também não faltam os elogios.

Por outro lado, como pessoas engajadas no processo histórico sentimos as pressões das mudanças no contexto social em que vivemos. O mundo encontra-se no avanço do que Alvin Tofler chamou de “terceira onda” ou seja, a onda criada pelo choque representado nas mudanças impostas pela “sociedade tecnotrônica”. A aproximação do século 21 provoca medo e ansiedade. De todos os lados somos informados de transformações, lutas, protestos, mudanças.

É natural que a febre externa tenha conseqüências no oásis (?) interno em que pretendemos viver cm toda a segurança. Parece que as defesas elaboradas em torno desse oásis, representado pela denominação, n contexto do deserto que é este mundo, encontram-se abaladas. Tentativas se verificam no sentido do fortalecimento das antigas defesas. Outras procuram edificar novas defesas que possam fazer frente a avalanche de “influências deletérias” que ameaçam transformar o oásis numa extensão do deserto.

Também se observa que alguns ainda se encontram aturdidos na tarefa de reunir os cacos e destroços de defesas já derrubadas. Sentem-se acuados, infelizes e, por isso mesmo, tornam-se agressivos e hostis para com qualquer tentativa de mudança agarrando-se desesperadamente à reconstrução de um passado que, se foi glorioso um dia, perdeu o seu esplendor no presente. Ou, de passagem, apanham e abraçam alguma tendência teológica que lhes satisfaça o sentimento interior para com a fé. Procuram compensar a sua insegurança com algum mecanismo ou pessoa que lhes ofereçam a situação de “oásis” vivendo só para a denominação, isolado e desligado  do “deserto” circundante e que, no presente se sente envolvido, ainda que de modo parcial, com o “deserto” , com a sociedade é que este artigo é escrito numa tentativa de avaliação dos rumos denominacionais. Reconhece o seu autor que a função do oásis não é ser contido e vencido pelo deserto. Justamente o oposto. O oásis existe para proclamar a esperança de que um dia não haverá mais desertos. Da mesma forma, deve-se deixar claro que a fronteira entre o oásis e o deserto não deve ser constituída por uma linha definida, mas por uma região em que os espaços limítrofes se interpenetrem. Aqui se parte do pressuposto que há vida também no deserto. Isto implica em dizer que há coisas que podemos aprender no contexto histórico em que vivemos. Que o isolacionismo, a despeito de aspectos positivos é algo profundamente pobre e empobrecedor.

Poder-se-ia mesmo, classificar as observações aqui exaradas como  anotações de um peregrino ao longo de sua jornada. Não há figura melhor do que a do peregrino para descrever a conduta do cristão e da igreja enquanto no mundo. Suas raízes são sempre voltadas “para cima”. O solo da vontade de Deus é o único solo que que tais raízes podem firmar-se. Lá se encontram os nutrientes básicos para a jornada que é sempre feita de um oásis para outro atravessando o deserto. Por Ter suas raízes alicerçadas na vontade de Deus o peregrino é aquele que tem condições de fazer  “do deserto brotar a flor”. Sua jornada é mais determinada pelo alvo ou destino do que pelo pelo ponto de partida. Seu compromisso maior é com o futuro tornando-se, por isso mesmo, um profeta, ou “porteiro do amanhã”. Não se escraviza as estruturas, mas se coloca sempre à disposição do destino de sua caminhada para “experimentar a vontade de Deus pela renovação do entendimento”(Rm 12.1-2).

À luz desses pressupostos pretende-se, neste artigo, elaborar um ensaio analítico da denominação. Começando por uma listagem de tendências passa-se, depois, a uma tentativa de visualização das possíveis conseqüências para, então, serem propostas algumas alternativas. Não é pensamento do autor que sua análise seja considerada exaustiva, completa ou final. Da mesma forma não é de sua intenção que suas palavras sejam consideradas como determinantes, exclusivas, quer de uma realidade problemática quer de sua solução programática. Este ensaio tem a finalidade única de propor temas para a reflexão. Se isto for conseguido, o autor estará compensado em seu objetivo. Também, deve-se deixar claro que não nos preocupa a crítica a indivíduos, mas a idéia e tendências. Qualquer identificação pessoal corre por conta do leitor,

  1. TENDÊNCIAS DENOMINACIONAIS NO LIMIAR DO SEGUNDO SÉCULO

Nesta análise não se pretende uma listagem de tendências de acordo com prioridades. A seqüência aqui pretendida tem apenas fins didáticos. A ordem, portanto, é aleatória e incidental.

1.1 Isolacionismo – Este fator sempre esteve presente em nosso meio devido ao fato de termos surgido num contexto em que os nossos pioneiros se sentiram como “seita sitiada” pelo catolicismo. A ojeriza ao sistema eclesial e práticas romanistas nos levaram, por extensão, a um isolacionismo com relação a outros grupos considerados por nós mesmos como evangélicos.

Parece que a força das controvérsias denominacionais que ocorreram no país de origem dos pioneiros foi transplantada também para cá. Polêmicas se travaram ns mesmos moldes que nos países de origem. Não se nega aqui as razões históricas dessas polêmicas. Apenas se salienta que no seu bojo tiveram a conseqüência de provocar um isolacionismo que, se justificável a princípio, hoje atua como força limitadora no que diz respeito a uma renovação interior de nossa prática e estrutura eclesiásticas. O isolacionismo vem sempre acompanhado de companheiros (in) desejáveis tais como: o orgulho denominacional, o autoritarismo dogmático, falta de amor cristão, hermetismo de linguagem estrutural. Uma só palavra poderia descrever a tendência: preconceito.

Os que se apegam ao isolacionismo alegam o perigo da perda de identidade caso nos comuniquemos demais (?) como os outros grupos. Mas, como é que se forma a identidade de alguém ou de um grupo? É exatamente pelo contato com posições não convergentes (ou díspares) que podemos melhor sentir e avaliar as nossas próprias convicções.  É quando sentimos a realidade dos outros externamente a nós mesmos que temos percepção maior de nossa própria realidade. Do ponto de vista da psicologia, uma personalidade equilibrada não se forma a não ser a partir do contato e dinâmica do inter-relacionamento com outros personalidades. Da mesma forma, no grupo social, quando não se mantém um nível salutar de relacionamento com outros grupos, a tendência isolacionista pode nos levar a distorções patológicas em nossa identidade denominacional. Parece-nos que o isolacionismo não é a única alternativa viável se pretendemos edificar uma consciência denominacional mais saudável. O isolacionismo pode ser forma mitigada de autoritarismo. Há vida também no deserto.

 1.2 Culto do Passado – Respeitamos nossa memória e tradição. Somos devedores aos pioneiros que deram suas vidas na proclamação da mensagem e ideais cristãos como entendidos pelos batistas. Mas, nosso débito para com o passado não é o de tentarmos manter um cadáver vivo. É o de mantermos aceso o espírito indomável que animou aquela estirpe de bravos, mas dentro de uma perspectiva dinâmica da história.

A história não está aí para ser repetida. Este pensamento é fatalista e não cristão. Deus nos quer como agentes no processo histórico. O passado há de servir-nos como referencial, sem dúvida. Mas, ele é sempre ponto-de-partida e não ponto-de-chegada. Os que pretendem reconstruir o passado demonstram-se presos à uma mentalidade de culto aos “deuses que estão mortos”. Somos concitados pela Palavra de Deus a dar o nosso testemunho e efetivarmos a nossa presença na história como algo dinâmico e vivo da mesma forma que dinâmica e viva é a própria Palavra do Senhor.

No dizer de Horts Borkowsky, representante dos batistas alemães na Convençào do Centenário realizada em Salvador em outubro de 1982: “Quando Jesus Cristo voltar ele deseja encontrar não uma sepultura enfeitada com flores, mas um corpo vivo e saudável, um corpo dinâmico em ação!” Não devemos considerar-nos como prisioneiros do passado, mas como prisioneiros da graça de Deus que, manifestada através da presença do Espírito nos dirige ao lugar do testemunho e da ação na história ainda que este lugar seja o lugar da perseguição e da diáspora.

1.3 Tradicionalismo (Medo de Renovação) – Ou seja, medo de mudanças. Este se identifica com o aspecto anterior no sentido de que o culto ao passado nos deixa com a mente entorpecida e impede que tenhamos a coragem bastante para realizarmos experimentos no que diz respeito à forma de comunicação de nossos conceitos e as mudanças em nossa estrutura.

O medo de mudanças está diretamente relacionado à institucionalização crescente que se verifica em nosso meio. Está identificado com o tradicionalismo paralizador. Confere ao passado um “status” definitivo e definidor. Transforma-o em ídolo. O autor deste artigo ouviu em determinada ocasião uma frase característica dessa mentalidade: “Nós nunca fizemos isto!” A frase foi colocada como pressuposto lógico para combater uma sugestão de mudança (ainda que pequena_ num contexto eclesiástico. E é justamente essa a razão para o tentarmos, o fato de nunca o havermos feito. Pois, somente à luz da experiência poderemos avaliar com probidade, “post facto”, como dizem os cientistas sociais. Qualquer rejeiçào em outra base corre o risco de ser classificada como pré-conceito.

O problema é que podemos estar incorrendo no perigo de não percebermos o “sopro do Espírito” que, por ser dinâmico e criador como o próprio Deus, sempre nos leva à compreensão da verdade à luz do seu passado (imediato ou remoto) é uma estrutura que não encontra espaço para a atuação do Espírito de Deus. Se o Espírito só pode se manifestar através das formas estruturais por nós (do passado) desenvolvidas onde se coloca a sua soberania? (Veja João 3, todo o livro de Atos e I Coríntios 12-14, a respeito.)

1.4 Autoritarismo – Esta tendência se manifesta no plano individual e estrutural. Cresce a interferência dos órgãos (juntas), centrais de planejamento, na vida das igrejas locais. Se bem que, sempre se ressalve o princípio batista da autonomia das igrejas é bom que se diga que há toda uma estrutura de pressão no sentido de levar as igrejas a aceitarem e apoiarem os planos que a elas são remetidos. Os jornais e revistas da denominaçào desempenham importante papel neste sentido. O problema não está na divulgaçào em si que cremos necessária e estimulante. É que os planos são apresentados de uma forma que não permitem discussão.

Exemplos tirados da fraseologia utilizada em algumas cartas circulares, relatórios de executivos, artigos e discussões em plenário de convenções que demonstram uma estrutura autoritária ( não de autoridade): “Cremos que o Espírito Santo de Deus, inspirou-nos na elaboração deste projeto…”  “Sentimos ser da vontade de Deus que…” “Sob a inspiração de Deus, reunidos, elaboramos…” e outros tantos que poderiam ser multiplicados. Tais argumentos (?) não permitem espaço para o diálogo fertilizador em que o Espírito poderia se manifestar, mas são formas de imposição de idéias. Dependendo do carisma e influência de quem utilizar tal tipo de argumento nenhuma discussão posterior será permitida, pois, o fazê-lo, implicará necessariamente numa contradição ao Espírito.

Observa-se, ainda, que não estamos isentos do autoritarismo decorrente do carisma de liderança. Não creio que os únicos culpados disso sejam os próprios líderes. Da mesma forma, não creio que tenham planejado tal tipo de coisa. Os líderes, como os liderados, encontram-se inseridos numa estrutura sócio-cultural mais  ampla e o que se verifica no contexto externo (nas relações e mediações políticas, por exemplo) também se manifesta no ambiente eclesiástico intra-muros. Como povo, estamos acostumados a ouvir e aceitar as verdades que nos são comunicadas. É perigoso e pecaminoso questionar. A verdade, em nosso contexto político-social e denominacional, não é uma conquista, resultado de uma busca e elaboração tanto pessoal como coletiva. Ela é uma dádiva. Ou se aceita, ou se rejeita. Neste sentido nenhuma estrutura se presta tanto ao mecanismo de autoritarismo como a estrutura religiosa. Não é de estranhar, pois, que tenhamos em nosso meio evidências de sobejo, no que diz respeito à sua manifestação.

1.5 Superficialidade Doutrinal –  Exatamente por considerar a verdade com dádiva e pelo fato de sermos convidados a aderir ou assentir à verdade que nos é (foi) transmitida somos levados a uma superficialidade doutrinal. Esta se manifesta pela falta de convicções básicas e pessoais. As pessoas falam de doutrinas e princípios batistas como se fossem aparelhos de gravação a repetir o que neles foi gravado por um processo qualquer.

Em minha análise, a superficialidade doutrinal se manifesta pelo apego a fórmulas repetidas, pela teologia que se limita a ser uma teologia de compêndios, geralmente importada ou transplantada, ou pela teologia que se caracteriza por ser uma apropriação particular, de um indivíduo particular, numa situação particular que, então, forma uma escola de seguidores. Entendemos que a doutrina deve nascer de um processo de reflexão crítica onde o sujeito desempenha papel preponderante por ser ele desafiado a interpretar o sentido da palavra de Deus para o tempo que se chama hoje.

Entendemos que devem existir compêndios de teologia, mas somente no sentido de linhas de pesquisa que devem encontrar o seu cerne a partir da reflexão individual de cada um de nós à luz de sua situação histórica concreta e da Palavra de Deus. Uma teologia assim elaborada não pode ser superficial. Também jamais pode ser considerada acabada. Pois, a teologia é um processo essencialmente humano e, sendo um processo humano, há de se ressentir de todas as limitações de que padecem as demais realizações humanas, precisando ser feita e refeita vezes sem conta. Afinal, como obra humana,  a teologia deve sempre ser escrita à lápis.

Uma das evidências do superficialismo doutrinal é a ênfase exagerada que se empreste às formulações doutrinais em detrimento dos aspectos práticos da fé que se traduzem num comprometimento abrangente com o Reino de Deus. Assim, despida dos aspectos mais dinâmicos de sua própria validade, a fé se transforma numa mera questão intelectual ou acadêmica, de aceitação de um credo confessional. Destarte se limita à própria dinâmica da vida cristã.

Outra evidência de superficialismo doutrinal é o não conhecimento dos fatores formativos que estiveram e estão presentes em nossas doutrinas. As grandes influências do passado como, por exemplo, Agostinho, Calvino, devem ser conhecidas e reconhecidas por nós a fim de se evitar o pensamento de que nossas formulações doutrinais vieram por revelação direta e expressa de Deus. Nenhuma doutrina é formulada em território neutro. O próprio Novo Testamento surgiu em decorrência de necessidades práticas da comunidade cristã primitiva em sua expansão missionária. Da mesma forma, nossa teologia é formulada a partir de situações concretas que vivemos e nos levam a uma interpretação do sentido da Palavra de Deus para aquele determinado momento histórico.

Sem pretendermos nos demorar nas causas desse superficialismo doutrinal, podemos apontar as seguintes:

  • Ênfase ao pragmatismo e ativismo eclesiásticos onde o cumprir programas se torna mais importante do que a sua própria razão de ser;
  • Pouca ênfase à reflexão em torno dos valores cristãos;
  • Falta de hábito de leitura em termos gerais por parte do povo;
  • Púlpitos rebarbativos e cansados cujas mensagens não nascem da reflexào pessoal em torno dos problemas enfrentados pelos crentes em geral;
  • Literatura deficiente de aspectos que se vinculem ao contemporâneo da fé;
  • Proliferação indiscriminada de seminários e institutos teológicos;
  • Programa deficiente de educação religiosa nas igrejas;
  • Atitude mística e contemplativa da fé em contraste e negação ao aspecto de reflexão e de questionamento dinâmico de sua elaboração histórica; é a atitude constantemente refletida na falsa dicotomia espiritual x intelectual;
  • Consideração da teologia como algo acabado e final que é apenas para ser recebido (ou assentido) por nós e não como algo a ser elaborado a partir de e com o povo de Deus que forma a sua igreja no mundo;
  • Consideração da vida cristã como oásis desvinculado do deserto que o circunda e que, por sua vez, apresente valores próprios que, não obstante sua obscuridade, evidenciam a presença de uma revelação geral por parte de Deus ao homem. Negar esta realidade é negar o sentido da própria Palavra de Deus! (Veja o Salmos 19 e Romanos 1-3). A lista não é completa e mereceria uma análise à parte tamanha é a sua relevância.

1.6 Individualismo Extremado – Os batistas enfatizam o princípio do individualismo. Cada ser humano é responsável diante de Deus. Mas nas Escrituras Sagradas, o individualismo que é destacado no que diz respeito à responsabilização do homem para consigo mesmo, seu próprio e para com Deus, é sempre colocado ao lado de uma reflexão corporativa. Paulo, escrevendo aos coríntios, adverte-os quanto ao perigo de perderem a visão do corpo de Cristo. (Veja I Cor. 1-4; 12-14).

O individualismo tanto pode ser causa como conseqüência do isolacionismo já referido no item primeiro deste artigo. Algumas vezes tenho me referido a esta ênfase entre os batistas usando as palavras do profeta Isaías: “cada um se desviava pelo seu caminho”(Is 53.6). Parece que a falta de visão do todo nos leva a uma atitude cada vez mais crescente no sentido do individualismo.

Por estranho que pareça pode aplicar-se ao exemplo batista a situação do rei Midas que pediu aos deuses o poder de transformar tudo o que tocasse em ouro. Seu pedido foi-lhe concedido e o rei ficou feliz a tocar todos os objetos ao seu alcance transformando-os em ouro precioso até que, tocou em sua própria filha transformando-a em estátua de ouro. O princípio do individualismo que se constituiu numa grande força dentro do desenvolvimento da história batista agora ameaça voltar-se contra nós mesmos estando em processo de transformar-se numa força desintegradora do grupo social.

Evidências do extremismo individualista podem ser encontradas entre outras, nos vários grupos paraeclesiásticos ou, até mesmo eclesiásticos que, ainda procuram viver ou reviver o culto a indivíduos e que realizam um trabalho de teor nitidamente competitivo entre si.

A própria proliferação de seminários e institutos teológicos encontra-se na esteira decorrente da aplicação do princípio do individualismo. Historicamente, nossos Seminários maiores estiveram sempre relacionados às convenções de caráter nacional. Posteriormente, foram vinculados às convenções estaduais. Depois às associações regionais. Hoje, entretanto, o panorama que se nos defronta está próximo do caos. Já existem seminários de igrejas e de indivíduos (pastores).

O princípio de individualismo associado ao de autonomia da igreja local quando aplicado sem o corretivo equilibrador da visão corporativa torna-se uma tendência explosiva que, se pode arrolar bênçãos de alguma forma no presente, têm o efeito devastador de uma bomba de retardo quanto ao futuro. A superficialidade teológica decorrente do ensino teológico aleatoriamente desenvolvido, sem o respaldo metodológico e de conteúdo mais amplo e profundo que a matéria requer, estão levando já a alguns sintomas de desvios doutrinais em várias partes do Brasil.

Se o fazer teologia é tarefa que compete a cada cristão, o  ensinar teologia exige do indivíduo que se propõe a essa missão um mínimo de competência. Mas, a competência não pode ser autoproclamada ou autodeterminada. Daí a necessidade de se atribuir ao grupo maior a determinação de critérios que disciplinem o ensino teológico. O método teológico não pode ser somente pessoal, subjetivo ou filosófico; deve revestir-se também, de aspectos objetivos e científicos a fim de que a teologia possa servir ao seu propósito de clarificação do sentido da mensagem cristã por relacionar o seu conteúdo com os problemas que o homem contemporâneo enfrenta.

Deve preocupar-nos, como denominação, a proliferação irresponsável e indiscriminada de seminários teológicos que, a médio e longo prazos, trazem em seu bojo a semente da desagregação da família e da fé batista.

Notem que não se preconiza aqui a existência de um único seminário. Admitimos até a necessidade de regionalização da Educação Teológica como vem acontecendo sob a égide das convenções estaduais. Mas é necessário repensar o processo quando o fazer teologia se torna simplesmente uma questão de gosto pessoal. Na realidade, a proliferação das escolas “ditas” teológicas representa também a fraqueza de nosso sistema de Educação Religiosa. Tenho observado que muitos procuram nos seminários aquilo que suas igrejas deveriam estar oferecendo.

Uma outra evidência da distorção do princípio do individualismo é a falta de capacidade de conviver-se com opiniões divergentes. Usa-se de todos os tipos de artifícios para o tratamento das opiniões divergente. Até mesmo a difamaçào.

Sente-se despreparo para a discussão no plano das idéias. Não se percebe que a pluralidade de idéias e opiniões corretamente encarada é um fator de crescimento e de fortalecimento do grupo. Mas, no individualismo extremado, como a verdade se assenta em convicções fortemente pessoais (ou seja, a verdade é construída muito mais emocionalmente do que racionalmente) não há espaço para divergência. O resultado é a intolerância  que pode chegar ou não a níveis inquisitoriais, mas que sempre se manifesta. A intolerância é uma das formas em que se manifesta o desejo de poder e prestígio social no grupo religioso. Também a intolerância pode ser apenas uma outra forma de se evidenciar a insegurança. Devemos Ter em mente que a unidade não implica em uniformidade. A unidade existe e é real exatamente quando se encontra o centro unificador e aproximador de elementos opostos.

A intolerância é uma das formas em que se manifesta o desejo de poder e prestígio social no grupo religioso. Também a intolerância pode ser apenas uma outra forma de se evidenciar a insegurança.

1.7 Identificação denominacional com os valores da classe média –  É fato inegável a ascensão social dos membros de determinadas igrejas evangélicas no Brasil. Também de nossas igrejas. Observa-se a partir deste fato que as igrejas cuja liderança é composta mormente de pessoas que já conseguiram ascender ao patamar da classe média ou de alguns que se ainda não chegaram lá, pelo menos aspiram tal objetivo, manifestam uma tendência de identificação com os valores dessa classe. Passam a raciocinar e elaborar a fé em torno dessa consciência de classe. Perdem contato com o povo.

Tornam-se, cada vez mais, em igrejas para o povo onde predomina a mentalidade assistencialista e filantrópica que, se corrige efeitos não atinge suas causas. Algumas vezes, podem mesmo a chegar a ser igrejas contra o povo. Longe daquela preocupação de uma igreja  com o povo ou até mesmo  formada pelo povo. Assim, a sua estratégia somente pode ser unidirecional, isto é, dos líderes para o povo. Não nasce de reflexão comunitária. Não se vincula a uma idéia de encarnação. A fé passa a ser utilizada como justificação para os desníveis culturais e sociais verificados na sociedade. Resulta pouco ou nenhum compromisso para com as transformação da realidade social. A missão da igreja limita-se à esfera espiritual que é concebida dentro de matrizes platônicas e não bíblicas.

1.8 Triunfalismo – Verifica-se uma preocupação maior com os números. Projeções estatísticas são elaboradas e divulgadas a fim de nos informar que somos uma denominação que venceu. Os modelos de ministérios que são passados aos alunos de seminários são bem marcados por esse triunfalismo. São modelos que classifico do “Hollywood” por sua ênfase “ao sucesso”.  O triunfalismo é de tal monta que não nos permite uma análise mais séria do que está realmente ocorrendo. Não nos permite, sequer, analisar as possíveis causas do não atingimento de determinados alvos de programas de ação como o PROIME. Os que assim pretendem fazer essa análise correm o risco de serem chamados de derrotistas.

Não há dúvida de que temos avançado ao longo dos cem anos de vida batista no Brasil. Mas, necessária se faz, uma avaliação séria do real significado desse avanço. Quais são os indicadores que utilizamos? Que parâmetros de análise? A Que nos comparamos? Muitas vezes, o foco de análise introduz distorções em nossas conclusões. Por exemplo: se nos comparamos a grupos ou denominações decadentes poderemos Ter a impressão de grande progresso. Outro exemplo: quando escolhemos determinado período da história para, a partir dele, estabelecermos parâmetros de análise de crescimento, precisamos Ter muito cuidado na determinação dos limites desses mesmos parâmetros sob pena de termos resultados tendenciosos.

Por ocasião de 65ª Assembléia da Convenção Batista Brasileira realizada em Porto Alegre, foi mencionado, com insistência, o argumento de que a Denominação vai bem. Números foram citados como comprovação. Não duvido dos valores alcançados. Sou grato a Deus pelo progresso que se verifica em nosso meio. Mas, a meu ver, a questão deveria sempre ser colocada: “Poderia ser melhor?” Há uma razão teológica para tanto: Deus, através de seu Filho Jesus Cristo, nos deu o melhor. Vamos nos contentar com o menor?

Pessoalmente, acredito que, como grupo social deveríamos estar constantemente preocupados com uma avaliação sociológica dos mecanismos que interferem em nossos processos de ação. Do ponto de vista metodológico, tal avaliação deveria ser elaborada por pessoas outras que não os próprios executivos ou planejadores. Uma vantagem deste processo é que evitaria a autoglorificação. A conseqüência maior seria a diminuição das distorções em nosso processo de crescimento. Ao mesmo tempo, tal análise poderia nos levar a contrapor o realismo ao triunfalismo que, este sim, sem o devido controle pode levar-nos a um orgulho perigoso diante de nossas realizações.

1.9 Competição – Do ponto de vista da mercadologia somos informados de que a “competição é a alma do negócio”. Isto, entretanto, não se verifica no plano das relações humanas porque a competição, uma vez estabelecida, leva a uma inversão completa de valores conforme os encontramos na Bíblia. A competição leva à deslealdade. No ímpeto competitivo líderes passam a utilizar de estratagemas os mais estranhos à mentalidade evangélica.

Há competição em nível individual e a em nível institucional. Pretextos, os mais pueris são utilizados como base para a formação de uma nova instituição que nasce “para defender” algum princípio que se crê descuidado em instituições congêneres. Há muita conversa de bastidores, também hipocrisia. Líderes, em virtude da competição, usam dois pesos e duas medidas. Na presença de alguém sorriem e dão “tapinhas nas costas”, mas à distância não escondem a sua hostilidade e desaprovação para com aqueles que, pouco antes, abraçavam. O espírito de competição leva as pessoas a forjarem “fatos” a evitarem o confronto com a realidade. No entanto, a Bíblia nos orienta justamente na direção oposta. Não se procura saber de fontes adequadas as informações abalizadas. Mas, na base do pré-conceito atitudes são tomadas e detrações realizadas em nível pessoal e em nível grupal. Reuniões são levadas a efeito a fim de comentar de modo descaridoso, problemas de pastores, líderes ou instituições. Longe dos conselhos de Jesus Cristo (ler Mateus 18) sobre a conduta que deveríamos Ter. Acima de tudo a competição leva ao desamor. Parece que a maioria, felizmente há exceções, se delicia com a derrota de alguém. Especialmente, se este alguém estiver em evidência ou for entrave para a própria ascensão de outros. Onde o Espírito de Cristo? Onde a atitude recomendada por Paulo em Filipenses 2.1-11?

Os pontos acima foram mencionados para fins de análise e reflexão. Pretendemos, a seguir, mencionar algumas possíveis conseqüências se tais problemas não forem equacionados por todos nós sob a direção do Espírito de Deus.

  1. CONSEQÜÊNCIAS PARA A VIDA DENOMINACIONAL BATISTA

 É importante que se tenha em mente que tudo quanto se declarou e se há de declarar neste artigo pretende abrir um questionamento e não dogmatizar. Não é intenção deste articulista argumentar na base de autoridade como se a última palavra fosse a sua. Simplesmente, gostaríamos de ver a Denominação caminhando em bases mais próximas àquelas que Cristo deixou como sua orientação para todos nós. Esta análise é feita porque amando a Cristo que nos salvou, amos também a Denominação onde um dia o encontramos pela mediação do Espírito.]

As seguintes conseqüências são colocadas para a reflexão de todos.

2.1 Distorção na compreensão da natureza da fé – Se o grupo denominacional se torna  um fim em si mesmo a fé passa a ser entendida como fidelidade ao grupo e não a Cristo. Passamos da fé em Cristo para a fé em nós mesmos e em nossas realizações. Atingimos o virtuosismo moral. A fé passa a ser um mero assentir de formulações doutrinais e eclesiais e perde o seu aspecto dinâmico como encontrado em o Novo Testamento.

2.2 Distorção na compreensão da natureza da igreja – Em o Novo Testamento encontramos uma igreja dinâmica que sob a orientação do Espírito assumir estruturas diversas, de acordo com as circunstâncias locais, a fim de levar a efeito sua tarefa de evangelização e edificação de vidas. É fácil, contudo, invertermos os valores e passarmos a emprestar um valor final e último que é meramente transitório. Os fatores mencionados na primeira unidade desta análise podem levar a uma compreensão estática da natureza da igreja. A igreja deixa de ser um organismo vivo para ser vista mais como uma estrutura ou superestrutura. Os ofícios passam a ser mais prezados do que as funções. A posição hierárquica passa a Ter mais valor do que o trabalho efetivo realizado. Não é isto o que se verifica em grande parte em nosso contexto denominacional?

2.3 Distorção na compreensão de nossa responsabilidade para com o mundo- Possuídos por uma visão estática da igreja e voltados para a manutenção de sua estrutura formal, mudamos também a nossa perspectiva de missão. É bom relembrarmos as palavras de Cristo em João 17 quando orou ao Pai celestial para que não tirasse os discípulos do mundo, mas que os livrasse do mal. Temos a impressão, às vezes, a partir de algumas expressões e atitudes de muitos obreiros e crentes que conseguimos realizar a oração sacerdotal ao contrário. Quero dizer que,  uma vez que Jesus não pediu ao Pai que nos tirasse do mundo nós mesmos nos eclipsamos.

Qual o sinal efetivo de nossa presença na sociedade? Preocupa-nos o fato de não sermos procurados a fim de darmos uma palavra, como grupo, que ajude em situações problemáticas do mundo contemporâneo. Mas, o ostracismo ao qual somos relegados não será, antes, uma resposta à alienação em que nos encontramos face aos problemas mais angustiantes de nossa sociedade? Qual a razão que impede que nos pronunciemos a respeito de temas de relevância com eleições a não ser depois de definidas as regras do jogo para, então, as aprovarmos? Qual a razão que nos leva a criticar os que ousam levantar a sua voz para defender certos princípios de liberdade? Até quando nos acomodaremos na posição de simples observadores a fim de usufruirmos dos benefícios que foram conquistados pelo suor e sangue de outros? A história há de nos julgar não só pela forma de nosso discurso mas, principalmente, pela nossa praxis.

Somos responsáveis pelo que se passa ao nosso redor. Nosso compromisso com o Evangelho não pode fazer com que nos calemos diante de tantos desmandos, injustiças e a imoralidade que avassalam em todos os escalões da vida pública e privada. Ao passo que nos calamos milhares perdem as suas vidas (sem nunca terem ouvido de Cristo) em conseqüência de uma sociedade injusta em que os valores econômicos (de determinada linha ideológica) são colocados mais altos do que os valores humanos. Enquanto nos preocupamos com questões internas em nossa Denominação, o povo que vive ao nosso redor, no deserto que circunda nosso oásis, perece à mingua pela carência de todos os cuidados inclusive os cuidados ditos de natureza espiritual.

Somos enviados em nome de Jesus Cristo ao mundo a fim de levarmos o homem a uma experiência de reconciliação com Deus. Esta mensagem, a do Evangelho, implica numa transformação de todos os valores da sociedade. O Evangelho não é só para a alma, mas para o homem como um todo. Falhamos em nossa visão e missão quando colocamos a ênfase somente em uma salvação escatológica. Limitamos o poder de Deus quando não o cremos capaz de introduzir uma nova ordem social conforme proclamada pelos profetas do Antigo Testamento. Concordo em que a estratégia dessa transformação seja pela ênfase primacial ao Evangelho de Cristo. Discordo dos que vêem o Evangelho como relevante apenas para o futuro escatológico situado fora da esfera histórica. O Evangelho é para o aqui e agora. O Evangelho é para o homem como um todo. Por esta razão, a missão da igreja deve ser integral, holista.

2.4 Perda do sentido da unidade denominacional –  Outra das conseqüências para a vida denominacional é a perda do sentido de unidade do povo batista. Hoje, podemos dizer, as maiores ameaças para a desunião não vêm de fora, por grupos confessionais que possam vir a nos combater. Geralmente, as ameaças externas provocam uma união muito maior dos membros do grupo. Em minha percepção, a principal ameaça vem de dentro de nosso arraial. Pelo menos, as seguintes tendências se mostram perniciosas por ensejarem uma perda crescente do sentido da unidade denominacional:

  • A competição interna gera batalhas e querelas intestinas que consomem muita energia que poderia ser gasta em aspectos missiológicos;
  • Há muitos indivíduos que dizendo-se batistas, no entanto, em função dos objetivos de sua organização ou ministério são obrigados a se comportarem de modo amorfo em questões doutrinais a fim de não perderem o apoio financeiro para suas realizações;
  • Falta de visão corporativa, ou seja, do todo. Temos a tendência de analisarmos as questões setorialmente e não globalmente. Não percebemos que um membro doente leva todo o organismo a sofrer. Aquilo que afeta ao nosso irmão, também nos afeta. A própria estrutura de Educação Religiosa tem levado a esse tipo de percepção setorial. As várias organizações de educação religiosa competem entre si em busca de espaço sem que se perceba uma integração dos seus objetivos particulares com os objetivos gerais da igreja como um todo.

2.5 Ruptura estrutural – Já tivemos uma cisão quando se desmembrou o grupo renovacionista. Espero estar errado em minha análise, mas parece que caminhamos para uma outra ruptura estrutural. Os sintomas aí estão pelo excesso de individualismo. Um movimento centrado no indivíduo dificilmente retrocede em função do grupo denominacional. Já foi salientado que alguns indivíduos são maiores do que uma denominação pode conter. Tendo uma estrutura própria e, consequentemente, poder, a única saída é a capitulação do grupo ao indivíduo ou, então, a ruptura.

O problema se torna ainda mais grave quando se percebe que determinados programas parecem ser financiados por agências e indivíduos externos que impõem explícita ou implicitamente, determinada linha teológica. Preocupa-nos a projeção de tais influências e interferências para um futuro não muito remoto.

Presentemente, os batistas do sul dos Estados Unidos se encontram sob forte pressão de um grupo de tendência fundamentalista que, financiado por alguns milionários do Texas, elaboraram um plano de tomada do poder na Convenção do sul com a finalidade de expurgar todos aqueles que não partilham da mesma postura fundamentalista. Para dar conseqüência a esse plano têm feito violência aos valores éticos os mais elementares. Ao lado da opinião sempre respeitada do redator de O Jornal Batista (Pr. Reis Pereira), sobre tais acontecimentos é bom acompanhar a análise sobre a SBC feita pelos jornais das convenções estaduais dos Estados Unidos bem como por revistas seculares como Time, Newsweek, Esquire, entre outras.

Parece que a controvérsia fundamentalista norte-americana está sendo exportada para o Brasil não faltando entre nós, aqueles que se prestam para serem seus porta-vozes. Cremos que uma Denominação centenária deveria Ter a maturidade bastante para não precisar importar problemas ou soluções. Temos os nossos problemas que carecem de nossas soluções. Tenhamos a maturidade bastante para nos sentarmos juntos afim de, abertamente, procurarmos as causas e soluções para os nossos problemas.

2.6 Orgulho e vaidade denominacionais  –  O maior problema que enfrentamos é o pecado do virtuosismo moral. Este foi o pecado dos fariseus ao tempo de Jesus. Podemos, como indivíduos, e como denominação, ser apossados de uma atitude de orgulho e vaidade quanto aos feitos de nosso grupo denominacional. Tal atitude de autoglorificação jamais poderá ser coadunada com o Espírito de Cristo.

Ao considerarmos os números que marcam o nosso progresso deveríamos antes de mais nada nos considerar como servos inúteis, pois que, fizemos apenas aquilo que deveríamos fazer. Se lembrarmos o ensino de Jesus sobre a soberania de ação do Espírito Santo (João 3.8) estaremos mais dispostos, com humildade, a perceber que a atuação do Espírito não pode ser limitada aos nossos arraiais. Se isto é verdade, então, haverá proveito real em nos assentarmos com os demais a fim de sentirmos o que Deus tem manifesto em seus corações como indivíduos e como grupo denominacional. Se, como afirmou o Dr. Manfred Grellert, em artigo em O Jornal Batista de 11 de março de 1984, já assumimos a nossa herança de fé batista, não há o que temer de tais contatos com outros grupos. No campo da metodologia e da estratégia, ninguém poderá pretender quer a originalidade, quer a última palavra. A humildade é a única atitude consentânea a pessoas que se dizem transformadas e dirigidas pelo Espírito Santo de Deus.

  1. À busca de soluções – Tendo analisado, precariamente, alguns fatores, ao ver deste articulista, se fazem presentes na vida denominacinal batista de modo a provocarem, possivelmente, algumas conseqüências em futuro remoto ou próximo, vamos considerar algumas alternativas para a problemática enfocada. O acerto ou não de tais perspectivas somente poderá ser determinado pelo desenrolar do próprio processo histórico.

Uma frase poderia caracterizar tudo quando pretendemos dizer nos tópicos a seguir: “É preciso que se mantenha a tensão entre os polos opostos”.  Por esta razão, os tópicos serão apresentados na forma “A x B”. Como Aristóteles, enste particular, entendemos que a sabedoria se encontra na “via media”, ou seja, no equilíbrio. A sobriedade, temperança ou equilíbrio também é fruto do Espírito (Gál.5.22-26). Somos de parecer que os polos, quaisquer que sejam as nomenclaturas utilizadas para sua descrição, representam em termos sociais, atitudes de radicalização que tendem a sacralizar determinada forma de pensar constituindo-a em ídolo. Particularmente, entendemos que a realidade de qualquer situação é por demais rica para que se excluam dela todos os elementos pertinentes ou mesmo alguns deles. Uma análise mais tranqüila e isenta de ânimos poderá nos levar ao reconhecimento de pontos positivos e negativos nas posições extremadas. Assim, a sabedoria reside no fato de reconhecermos a tensão entre os polos opostos e de aprendermos dessa tensão. Alguns focos de tensão são assinalados a fim de evitarmos os seus extremos.

3.1 Pluralismo x Monolitismo – A realidade social e religiosa vivida por uma denominação como a nossa precisa entender as forças que atuam na sociedade externa em que está inserida e que interferem na vida interna do grupo religioso. A uma atitude de monolitismo ou mesmo de monismo) devemos contrapor as forças atuantes de várias origens diferentes: histórica, geográfica, social, política, filosófica e teológica. À medida em que crescemos como grupo social relevante num contexto mais amplo percebe-se a forte influência de uma sociedade pluralista em quase todos os sentidos.

Por outro lado, as tendências que pretendem levar-nos a uma atitude monolítica precisam ser devidamente interpretadas. O pluralismo e o monolitismo não serão de todo ruins se os entendermos como forças atuantes em uma dinâmica social. Se os colocarmos numa situação de tensão entre os opostos parece que os resultados positivos hão de se fazer presentes.

3.2 Transcendência x Imanência – Esta é uma antiga controvérsia teológica. Períodos na história da igreja houve em que um dos polos assumiu a preponderância (pelo menos em determinados países). A mensagem de que somos porta-vozes é ao mesmo tempo transcendente e imanente. Jesus Cristo é  Deus-homem e homem-Deus. O Evangelho fala de uma salvação escatológica que começa a se manifestar a partir da história. Não podemos falar aos homens como se anjos fossem. A mensagem cristã somente terá relevância para o homem se esta o atingir em seu dilema existencial. Nem sempre será fácil manter a tensão criadora entre estes dois polos. Mas, a nossa missão exige que se faça o esforço constantemente sob pena de não termos sido fiéis ao que o próprio Cristo nos deixou como modelo de ação.

3.3 Individualismo x Corporativismo – Os batistas têm sido, ao longo da história, conhecidos como pessoas que deram grande valor ao princípio do individualismo. Mas não se pode perder de vista o aspecto corporativo da fé. Não podemos nos perder no excesso de individualismo nem numa imersão pura e simplesmente no todo com a conseqüente despersonalização do indivíduo. Isto vale para pessoas e para instituições. Também esta tensão há de ser mantida quer se considere indivíduo dentro do grupo quer se fale do grupo em relação aos demais grupos confessionais. Não estamos falando de união, mas de uma atitude de diálogo proveitoso e frutífero que nos tem feito falta.

3.4 Visão Estática x Visão Dinâmica – A estrutura, por melhor que seja, não é um fim em si mesma. Ela é somente meio. Não se pode conferir à estrutura uma força ou caráter estático. Todas as estruturas são provisórias. Quando a estrutura deixa de ser considerada como provisória assume um aspecto demoníaco. Ao mesmo tempo, a estrutura há de demonstrar alguma estabilidade. Esta será necessária do ponto de vista prático a fim de se evitar uma fluidez exagerada nos meios operacionais do grupo. A visão estática x visão dinâmica quando observadas em tensão uma à outra há de produzir como conseqüência uma visão positiva da vida dos próprios crentes que passarão a considerar a vida cristã de forma mais relevante.

3.5 Fé x Razão –  Ao nos convertermos não somos solicitados a cometer suicídio intelectual. Deus nos formou com a razão. Somos seres racionais e morais. Quando fala de uma sabedoria do mundo que é loucura para Deus (I Co.1.18-31), a Escritura está se referindo àqueles que não reconhecem o senhorio de Cristo e o plano salvífico de Deus revelado em Jesus Cristo e na cruz do Calvário. Mas a fé não é contrária à razão. Só há litígio entre essas duas posturas quando se verifica uma distorção de perspectiva.

A fé pode bem ser compreendida como uma perspectiva dentro da qual a razão opera. Ela não colide com a razão, nem a razão com a fé. Porém, muitas atitudes que são atribuídas à fé merecem uma análise mais demorada. Da mesma forma, algumas conclusões que nos são colocadas por um prisma racional pura e simplesmente, são insatisfatórias. A um misticismo exagerado devemos contrapor uma análise mais objetiva dos fatos. A um racionalismo extremado devemos apontar os desafios da fé. A tensão entre esses dois polos pode e deve ser criadora.

3.6 Ortodoxia x Hererotodoxia – Este, talvez, seja um dos pontos de mais difícil aceitação. Como mantermos uma tensão criadora entre a ortodoxia e heteredoxia? Não deveria a heterodoxia ser eliminada de imediato? Aparentemente, sim. Entretanto, se levarmos em conta que a teologia é tarefa realizada pelo homem não tendo conseqüentemente caráter final nem absoluto, necessário se faz admitir pelo menos, para fins de análise que as propostas que são feitas a partir de uma postura não ortodoxa, deveriam, pelo menos, ser submetidas a exame antes de uma condenação apressada.

A história do pensamento cristão nos dá conta de que o conceito de ortodoxia foi construído a partir de uma concepção de maioria nas decisões dos concílios. Alguns chegam mesmo a preferir o conceito ortopraxia em lugar de ortodoxia. Mas, talvez, seja importante lembrar que na história da revelação cristã, indivíduos tiveram que se levantar sozinhos contra uma multidão e até mesmo uma nação (veja-se os relatos do profeta Elias, dos profetas menores e alguns incidentes na vida dos apóstolos e da igreja primitiva como exemplos de que nem sempre a maioria expressa, necessariamente, a vontade de Deus).

Nosso critério de ajuizamento teológico deve ser sempre o da revelação de Deus consubstanciada na Escritura Sagrada e teologicamente interpretada à luz da direção do Espírito Santo (Jo.16.6). Não um voto de maioria. O conceito, tantas vezes mencionado em jornais denominacionais e nos plenários de assembléias convencionais de que Deus fala pela maioria, baseia-se em um pressuposto muito utilizado pelos católico-romanos, qual seja, vox populi, vox Dei ( a voz do povo é a voz de Deus). Entendemos que, num organismo social como a Convenção Batista Brasileira há de existir meios de representação que possibilitem a tomada de decisões pelo grupo com tal. Mas, não podemos identificar pura e simplesmente tais decisões como sendo a vontade expressa de Deus.

Quantos, como este articulista, não têm se decepcionado com as manobras que se fazem nos bastidores convencionais a fim de se assegurar que, determinadas decisões sejam tomadas. Seria precário assumir de modo tranqüilo que tais decisões sejam a expressão legítima de ortodoxia cristã ou da vontade de Deus. Onde os nossos valores morais biblicamente fundamentados? Ou será que já assumimos a postura de que “os fins justificam os meios?”

É neste ponto que entendemos a função da heterodoxia. Tomamos o termo não no sentido de uma doutrina já negada e condenada pelo grupo, mas de uma tendência em analisar os fundamentos dos conceitos aceitos ou que estejam em vias de serem canonizados pelo grupo. A heterodoxia é vista aqui no sentido etimológico de hairesis ( ou heresia). Hairesis, inicialmente, é apenas uma perspectiva colocada de modo diferente. Posteriormente, quando o grupo se pronuncia contra tal perspectiva é que o termo passa a assumir um conceito negativo por todos conhecido. A heterodoxia assim considerada em sua base etimológica é um dos fatores que auxiliam na determinação da própria ortodoxia. O grupo confessional só tem a ganhar quando sabe manter a tensão entre esses dois polos de modo sábio e equilibrado (ver Fp 3.15,16).

O Dr. Reinaldo Purim costumava citar o teológo do século XIX, Augusto Sabatier, com relação a este problema. Sabatier faz, em sua obra Filosofia da Religião, uma analogia entre o que se passa (ou deveria se passar) na formação doutrinal de um grupo confessional qualquer e o ato de indivíduo andar. Afirmava ele que, para andar é preciso que o indivíduo se desequilibre e se equilibre constantemente. Ao dar um passo a pessoa promove uma desestabilização do seu corpo. O desequilíbrio é seguido de uma ação contrária de equilíbrio e como resultado temos o movimento. Assim, a tensão entre a ortodoxia e a heterodoxia pode manter um grupo confessional sempre em movimento constante e dinâmico. É bom que se lembre também, que a ortodoxia quando vista como um fim em si mesmo pode transformar-se em letra morta. “A letra mata, mas o Espírito vivifica”(2 Co.3.6). A vida interior do grupo é mantida em um nível elevado de dinamismo quando se consegue manter a tensão entre essas duas forças.

Vale a pena recordar o que Jesus ensinou sobre qual deveria ser a nossa atitude para com as idéias novas (e diferentes). Jesus utilizou a figura dos odres e do vinho. O odre novo representa a pessoa de mente aberta o bastante para receber uma idéia diferente para fins de análise. A idéia é comparada ao vinho novo que, fermentando, promove a dilatação do odre pelos gases que forma. A fermentação representa o processo mesmo de análise. Parece que ainda não aprendemos a lição dos odres (veja Mateus 9.14-17) com Jesus Cristo.

Parece que não entendemos a recomendação de Paulo aos crentes em Tessalônica sobre o analisar tudo e reter o bem (1 Tes 5.21). O que Paulo nos recomenda não é uma atitude dogmática por si mesma fechada e absoluta, mas uma atitude dokimática ( o verbo dokimazo no grego, significa analisar). As palavras idênticas mas as atitudes e conseqüências são radicalmente diferentes. Uma fecha a questão, outra abre.

O Mestre nos ensinou que o Espírito nos guiaria a toda a verdade (Jo 16.13). Qual o receio de encarar o processo? Se temos consciência de nossa herança histórica da fé (nossa tradição batista) e se já a assumimos conscientemente, qual o receio de aceitar pontos de vista diferentes para fins de análise?

A única atitude adequada para com a verdade de Deus revelada no Filho é a humildade, pois neste terreno, nós, como Moisés na visão da sarça, nos encontramos em terreno sagrado. Qualquer pretensão de se haver esgotado a verdade de Deus numa formulação doutrinal deveria soar aos nossos ouvidos como uma inversão total de valores onde a criatura se proclama como criador. Por outro lado, a humildade há de produzir o seu fruto constante de nos levar a um “crescimento na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (2Pe 3.18).

Ao concluirmos esta análise, pretendemos ter levado o leitor a uma reflexão sobre a vida denominacional. Cada leitor deverá contrapor aos pontos aqui assinalados as suas próprias observações. Pessoalmente, cremos que mais análises precisam ser feitas sobre a vida, a fé, o comportamento do povo batista. Somente a reflexão sobre nossa própria conduta como pessoas e como grupo denominacional sobre a direção do Espírito Santo, poderá ensejar que sopros novos do Espírito sejam sentidos. As vitórias alcançadas devem ser tributadas à graça e ao poder de Deus. As falhas, à nossa miopia espiritual.

Em nosso caminhar como membros de uma mesma família-de-fé, nossa atitude básica de uns para com  os outros deveria ser a do amor. Cremos que, respeitadas as divergências de método e de perspectivas, todos temos um só objetivo: o de promovermos a expansão da proclamação da Boa-Nova do Reino de Deus na face da terra através da proclamação das boas-novas da salvação por Cristo Jesus. As controvérsias e divergências podem ser estabelecidas em vários pontos, especialmente, em nível intelectual e interpretativo. Mas, no amor, jamais haverá divergências entre nós. É, através do amor, que a unidade interna há de ser fortalecida a despeito de quaisquer divergências que possam ocorrer quanto à metodologia que utilizamos.

Também, deve ser dito que a preocupação deste articulista foi a de falar em tese. Trabalhando já há alguns anos em pesquisa social pretendeu colocar, para fins de análise, essas perspectivas e tendências numa tentativa de contribuição à reflexão do povo batista. Não o moveu qualquer sentimento de caráter pessoal, mas, tão somente, a preocupação de identificar os principais componentes que possam vir a se constituir em problema para a vida do povo batista no Brasil. Como salientada, a análise não pretende ser completa. É apenas uma análise que se submete à consideração dos leitores para que seja enriquecida (ou mesmo rejeitada). O acerto ou desacerto de tais perspectivas somente o futuro há de revelar.

março 2, 2016

Pelo lado do avesso

Filed under: Sem categoria — sdusilek @ 11:30 am

Imagine você trabalhando num centro comercial, perto  (cerca de 1 km) de dois dos maiores shoppings da sua cidade. Imagine agora que nesse centro comercial tenha uma praça de alimentação, que com a crise do país, é afetada. Você ao caminhar pelo centro comercial na hora do almoço percebe que na mesma proporção que baixou os frequentadores da praça de alimentação, aumentou o número de pessoas fazendo uso das “quentinhas” que para serem boas, precisam ser “Tupperware”. Entretanto, outros potenciais clientes insistem em buscar a praça de alimentação daqueles dois shoppings fazendo uso do serviço de ônibus especiais  do condomínio, desprezando a do centro comercial.

Qual seria a solução mais rápida a ser pensada pelos empresários da praça de alimentação? Parece óbvio que a resposta seja uma pressão na administradora do centro comercial para proibir a circulação dos ônibus na hora do almoço, obrigando assim as pessoas a comerem naquela praça de alimentação.

Isso dá certo? Claro que não. É uma medida que não atinge a raiz do problema, o qual pode estar atrelado desde a ausência de determinado tipo de comida, passando pelo preço, ou mesmo pela qualidade do que é servido. Ao invés de encarar o problema é mais fácil pensar numa “solução” restritiva. Só que facilidade e solução de uma questão normalmente não andam de mãos dadas na mesma “praça”, nem na mesma oração.

Por que usei esse exemplo? Porque é exatamente isso que acontece em muitas denominações. Ao invés de procurar o motivo da dor, entope-se de analgésico. Não sei quantificar, mas percebo que por vezes processos denominacionais vão na contra-mão da história, do real equacionamento do problema, e do próprio bom senso.

Penso que um dos casos mais recentes que exemplificam essa realidade seja a da Convenção Batista Brasileira (CBB) e de sua organização chamada ABIBET (Associação Brasileira de Instituições Batistas de Educação Teológica), em sua interface com a Ordem dos Pastores Batistas do Brasil (OPBB). Trata-se da exigência, para ingresso na Ordem (alguns querem ir mais além, obrigando a observância na instalação do concílio!!!), da conclusão do bacharel em teologia por um dos seminários filiados a ABIBET. Atacam um problema: a quantidade de alunos não é suficiente para manter todos os cursos (e os que se arvoram como curso) de teologia abertos. O modo: a restrição, que nada resolve. A mensagem que passa? Que os cursos oferecidos no âmbito da ABIBET são tão ruins que para ter aluno só mesmo com cláusula restritiva que proíba sua entrada na OPBB.

A alegação que conduz a aprovação de medidas tão descabidas como essa é desprovida de uma leitura mínima dos fatos. Senão vejamos:

  1. Há uma preocupação com a formação doutrinária dos futuros pastores. Busca-se evitar futuros rachas de igrejas por pentecostalização [bons tempos aqueles em que desvio pastoral no meio batista era oriundo da “chama” pentecostal]. Só esquecem que a maior parte de problemas assim causados foram de egressos dos seminários da ABIBET. O “patriarca” brasileiro, Rene Terra Nova é um caso clássico.
  2. A identidade batista não se faz no Seminário. Ela se faz na Igreja. Se o vocacionado ao ministério não assentiu em ser batista, não é um curso de teologia que o fará ser. Se a pessoa não foi doutrinada na igreja (esse é um problema para aqueles que optaram por “classes de comunhão”, pois endossam e engrossam a falta de fidelidade doutrinária), não vai ser o Seminário que irá fazê-lo.
  3. Se tem curso da ABIBET e o vocacionado escolhe um outro, não cabe a punição. Cabe o olhar auto-crítico para buscar compreender o porquê nossos vocacionados preferem o “pasto” alheio. Cá entre nós, suspeito que seja por conta da “alma” do curso que é seu corpo docente… essa colcha de retalhos e de acomodações não muito publicáveis…
  4. Por fim nessa pequena lista para início da reflexão, é preciso lembrar que o aluno faz o curso. Bons alunos excedem a mediocridade reinante. Bons alunos desafiam a mediocridade instituída, simplesmente por serem bons. Bons alunos mantém sua linha, mesmo em organizações desalinhadas.

Termino dizendo que se hoje fosse ingressar num curso de teologia e soubesse dessa regra coercitiva ou mesmo da possibilidade dela existir, dificilmente optaria por um curso de Instituição filiada à ABIBET. Como expus anteriormente, para mim tal medida é um atestado da debilidade e, por mais paradoxal que seja, da falta de visão (que não consegue ver a raiz do problema) das casas de profetas. Além disso mostra igualmente a falta de força para lidar com os problemas.

Pr.Sergio Dusilek

sdusilek@gmail.com

 

 

 

Crie um website ou blog gratuito no WordPress.com.