A “Floresta” Bibletista.
Era uma vez, numa terra distante e ainda por se descobrir, uma sociedade religiosa conhecida como bibletista. Nela, tinha dois grupos principais, definidos pela forma como se relacionavam com o livro sagrado que fundamentava e carregava boa parte daquela tradição religiosa.
Um grupo via no livro, um regramento, um código, uma manual rígido de instruções, um instrumento de regulação da vida alheia. Outro grupo enxergava o mesmo livro como uma fonte, como um manancial de onde jorra vida que transforma desertos em Oásis.
Sempre que alguém do primeiro grupo fazia uso do tempo, parecia e soava como aquilo que Rubem Alves chamou de “urubu”. Tinha preparo, tinha esforço, tinha presença; tinha “asas grandes”, imponentes, mas… faltava melodia.
Agora, quando alguém do segundo grupo tomava a palavra, era como o canto do “sabiá”. A melodia e a beleza dadas por Deus, tocavam a todos. “Sabiás” e suas sábias palavras… Quanto encanto em qualquer canto! Quanta inspiração em cada nota!
Os tomados como “urubus”, afeitos ao domínio do espaço religioso, ressentidos por não serem como os “sabiás”, se reuniram. Resolveram fazer duas coisas: 1) instituir cursos para ensinar os seus pares a serem como os “sabiás”. Deram o nome a essas “aulas de canto” de “clínica de pregação expositiva”; 2) não satisfeitos, resolveram proibir aqueles que cantavam “como sabiás” de fazê-lo, de simplesmente serem o que são: ao invés do melódico e natural talento, agora deveriam se portar, ao subir no “puleiro” para “cantar”, como os identificados como “urubus”.
O resultado? Congelamento, perda do lirismo, da melodia. Perda das cores: o valor passou a ser o manto, a toga preta e não mais o laranja e o amarelo que colorem a plumagem cheia de vida dos “sabiás”. Nada mais restou pois o grupo de “urubus”, não conseguindo ser como os “sabiás”, obrigou estes a serem como aqueles. Os que não se sujeitaram, seguiram “cantando” em outras florestas…Um cheiro de carniça tomou conta da “floresta”, da sociedade bibletista. Sem melodia, sem cor, e com o mau cheiro, ali só restaram os “urubus”.
Os interessados? Aqueles que eram hipnotizados e que vibravam com cada “nota cantada”? Eles se foram. A curiosidade para ouvir, os “ornitólogos” que se achegavam, também. Os demais “pássaros, sanhaços, canarinhos-da-terra, melros, trinca-ferros, coleiros, tico-ticos, azulões, corrupiões”, que acharam que o problema era com os “sabiás” e que ficaram em silêncio, foram sendo proibidos de “cantar” um-a-um. Até as “fêmeas” foram proibidas de “piar”…
Tudo isso porque os “urubus” não entenderam seu lugar na economia divina. Ressentidos, porém com o poder do sistema, prevaleceram sobre cada canto que diferia do seu esforço, alijando cada “espécie”. A cada prevalência dos “urubus com seus manuais”, a “floresta” de outrora, diversa e linda, encantadora e maviosa, perdia seu encanto. Por fim, acabou virando um aterro.