Como confiar em Deus, quando o que ele nos manda fazer nos conduz ao sofrimento?
Pr. Sérgio Dusilek
Igreja Batista Marapendi-RJ
Esta é a pergunta honesta que salta aos olhos de todo leitor acurado, no momento em que se depara com a fala de Paulo aos Tessalonicenses em sua primeira epístola, capítulo 2, verso 2 (1Tess.2:2). Mas talvez você indague do porquê da questão…
Vamos lá. A chegada de Paulo em Tessalônica se dá após a passagem por Filipos (At.17:1). Filipos não estava nos planos de Paulo. Ele queria ir para a Ásia (At.16:6), quando o Espírito o impediu e posteriormente lhe deu uma visão (At.16:9,10) para que fosse para a Macedônia. Pois foi lá em Filipos que Paulo e Silas tiveram a excruciante experiência de serem injusta e brutalmente açoitados (At.16:22,23; 2Cor.11:24). No caminho do cumprimento da vontade de Deus estavam as chicotadas, os açoites… como confiar nEle após isso? Como confiar quando as chicotadas traspassam os lombos e atingem a alma (Paulo fala em humilhação pública que sofreu em Filipos (v.2), traduzida em algumas versões como “maltratados”)?
Primeiro é reconhecer que o percurso da vontade de Deus não nos conduz a um “mundo de Poliana”. Por vezes, cumprir o expresso desígnio de Deus nos conduz aos açoites públicos, ao vento contrário, ao enfrentamento das tempestades. O mapa da vontade de Deus desconsidera os avisos climáticos, o radar meteorológico. Isto porque a vontade de Deus não encontra livre aceitação e fluidez nesse mundo (“que a Tua vontade seja feita na Terra como é feita no céu” é o modelo de oração deixado pelo Mestre). Além disso, nós acabamos sofrendo um processo de modelagem, de fazimento e refazimento pelo Espírito, enquanto submissos ao Seu querer.
Em termos práticos, por vezes Deus vai nos retirar de uma liderança fluída para nos encaminhar para liderar pessoas e organizações truncadas. Sem óleo (do Espírito) nas engrenagens eclesiásticas ou denominacionais. Quando assim acontecer, obedeça a Ele.
Segundo é que a confiança neste verso 2 de 1Tess.2 pode ser traduzida como ousadia, como novo voto a uma maior abertura, no mundo helênico, à liberdade de expressão. Nesse caso, o problema da confiança em Deus permaneceria… Ainda mais com a nova perseguição que Paulo e Silas sofrem em Tessalônica (At.17),agora pelos judeus. Esta produz uma nova marca no apóstolo que pode ser vista pelo termo traduzido como combate: no grego a palavra equivale a agonia. Note bem: são os religiosos, não os filósofos que perseguem o apóstolo. Lembre-se que em Atenas, os filósofos se desinteressaram pelo discurso paulino… não o perseguiram.
Parece-nos que a promessa vocacional paulina é o melhor caminho para entendermos esta confiança. Desde sua conversão, Paulo entendeu que caberia a ele dar testemunho em meio a muita provação e sofrimento. Sendo assim, confiar, descansar em Deus se torna a única alternativa para quem não encontrará descanso, inclusive nos mecanismo de projeção ao serem chamados pela turba de Tessalônica, de “transtornadores do mundo”. Se Tessalônica com suas águas termais (era a Caldas Novas/GO daquele tempo) era um natural convite ao descanso, ao relaxamento, Paulo contrapõe o acolhimento de Deus como o melhor lugar de descanso. A consciência de que sua vida estava nas mãos daquele que o chamou.
A confiança em Deus retroalimenta a fé: confiamos e ao fazê-lo, abrimos as portas para um relacionamento profundo com Deus; ao nos relacionarmos profundamente com Deus, passamos a confiar ainda mais. E esta confiança não se trata de uma experiência subjetiva, tão somente. Ela se exterioriza numa vivência ministerial exercida com lisura e honra (2Tess.2:3-12).
Por fim a confiança em Deus tem seu fôlego renovado na mensagem do Evangelho. É pelo Evangelho, para o Evangelho, por causa do Evangelho. “Sim”, já dizia o compositor sacro, “eu amo a mensagem da cruz”.
Portanto, confiar em Deus não é só a alternativa. É o resultado de quem ama Jesus e o Evangelho mais do que a própria vida. É a própria exteriorização da relação com Deus que se dá em meio ao sofrimento. Como seguir confiando em Deus quando se perde tudo como Jó? Como seguir confiando em Deus, quando no propósito de salvar as pessoas pela mensagem do Evangelho, somos por ela maltratados? A permanência, a perseverança nos dias maus, em tempos difíceis, são vigorosos testemunhos da confiança que temos em Deus, e do valor e amor que damos e temos pelo Evangelho de Jesus.
Prossiga, mesmo porque, como já dizia o poeta popular, parafraseando o Salmo 30:5:
“Mas é claro que o sol vai brilhar amanhã,
Mais uma vez eu sei;
Escuridão já vi pior de endoidecer gente sã;
Espera, que o sol já vem”.