Algumas realidades por vezes se chocam com afirmações contidas na Bíblia. Não falo aqui do aspecto científico e da comparação do que a ciência diz e do que o texto bíblico fala (até mesmo porque essa discussão é inóqua, uma vez que a própria Bíblia não tem a pretensão de ser científica. Sua preocupação não é história do mundo, mas a história da salvação). Falo do contraponto que a realidade impinge ao realismo bíblico. Refiro-me aqui especialmente à afirmação de Jesus em Mateus 16:18c na qual Ele diz “e as portas do Inferno não prevalecerão contra ela (Igreja)”.
Penso que essa afirmativa de Jesus além de conter uma verdade, traz consigo a mensagem da ousadia. Alguns interpretam esse trecho com um certo alívio ao saber que o Inferno não vence a Igreja, e o fazem pelo viés do medo. Contudo penso que Cristo ao falar o que disse estava nos convocando para uma postura de ousadia. Não se fechar num gueto, numa trincheira; mas se abrir para os desafios do mundo e andar sobre eles. A Igreja, nesse sentido, deveria marchar para que a influência do Inferno fosse sendo diminuída. O andar da Igreja deveria ser à luz de Cristo e sobre o Inferno, para que seus ardentes portões fossem compartimentados e sua influência diminuída.
Infelizmente não é sempre que isso acontece. Além de ter um bom grupo enfiado no comodismo do gueto e lambendo seu próprio medo, por vezes as portas do Inferno alcançam o interior das igrejas, dos púlpitos, das organizações. É quando o pastor começa a pregar teologia da prosperidade, ainda que escamoteada para encher a igreja; quando os membros trazem para a vivência comunitária os valores do mundo (irmão que dá trambique em irmão não tem 100 anos de perdão!), quando a organização preza mais a sua história e sua tradição do que a Palavra…
Bom, justamente sobre isso é que desejo falar. Já faz algum tempo que vinha querendo postar algo aqui sobre o caso da Vila Autódromo (RJ) e sobre o perturbador dizer que consta no muro da foto acima. A Vila Autódromo é uma comunidade carente instalada nas cercanias do autódromo de Jacarepaguá há pelo menos 30 anos. Seus moradores, ao que tudo indica, conseguiram uma permissão do poder público para morar ali, uma vez que se estabeleceram quando aquilo era um charco não desejado. Contudo, com o avanço imobiliário na região da Barra da Tijuca, o então charco se tornou área de valor. Dessa feita, em nome das Olimpíadas, os moradores foram sendo removidos.
Não quero aqui entrar na discussão da injusta e opressiva forma de “expulsão” dos moradores. Para isso existem processos na justiça e o excelente trabalho da Defensora Pública Dra. Adriana Britto. Quero me ater somente ao apontamento da estratégia infernal que o poder público usou para facilitar a remoção. Tocaram nos líderes religiosos, cumprindo a premissa bíblica “ferirei o pastor e dispersarei as ovelhas”.
Lá na Vila Autódromo, até onde tinha conhecimento, existia uma pequena igreja católica e uma igreja batista renovada. Aliás aquela igreja batista por muitos anos foi a única igreja evangélica presente na região conhecida como “Rio2”. Estava na comunidade, é verdade, mas estava ali. E como era bom saber que ela resistia ao poder imobiliário e ao gosto imperial dos pastores da região…
Ocorre que a prefeitura do Rio resolveu remover a Vila. E encontrou muita resistência, especialmente porque ali havia um padre que articulava e defendia os moradores. Ele foi transferido para Roma, segundo dizem. A questão não é o merecimento, mas a ocasião. Uma indagação subjaz a essa movimentação: teria a Igreja Católica atendido aos apelos do poder público, visando desarticular os moradores da Vila?
E a igreja batista renovada? Bom, dela restou, como em Jerusalém, somente o “Muro das Lamentações”. E nele está inscrito o perturbador dizer acima. Mais do que a veracidade que pode estar contida naquele escrito, só a possibilidade de admitir que ele pode ser real já faz muito mal a quem pertence o Evangelho.
Sem Igreja e sem “pastor”, restou pouco da Vila Autódromo. Há alguns últimos da resistência ainda morando ali. São heróis da resistência, da resiliência; são sobretudo admiráveis. Enfrentam o poder público, lutam contra os portões das instituições e do Inferno; encaram máquinas e a polícia. É essa realidade que se confronta com o realismo bíblico. Ora, as portas do Inferno não prevaleceram contra a Igreja, mas as do PMDB carioca a derrubaram. Começo a pensar que essas lideranças do PMDB do Rio de Janeiro ou são maiores que o Diabo ou são seus espelhos. Com um detalhe: são mais efetivos no combate à Igreja do que o próprio capeta.
Perplexo,
Pr.Sergio Dusilek
sdusilek@gmail.com