Um dos motivos pelos quais os romancistas Machado de Assis e Fiódor Dostoeivsky são tão celebrados é que eles tratam com particular acuidade e felicidade de sentimentos humanos reais. Em seus romances Dom Casmurro e Crime & Castigo os respectivos autores se tornaram celebrados pela literatura mundial. Neles ambos tratam da culpa, o mais avassalador sentimento que pode dominar o coração humano. O primeiro deixou-nos até hoje sem saber se Capitu era ou não culpada, se as desconfianças de Bentinho eram fake ou reais. O segundo mostra-nos Raskolnikóv completamente tomado pelo remorso e pelo medo de confessar seu crime, uma vez que ele havia assassinado duas mulheres. Fato é que a culpa, com seu caráter universal, acaba atraindo nossa atenção.
Nesse tempo de reflexões na IB Marapendi sobre “A Matemática do Perdão” nós precisamos não só compreender o conceito da culpa, como também procurar enxergar o olhar divino para ela. O que Deus tem a dizer sobre a culpa? Onde ela nasce? Ela morre? Se morre, qual é o seu cemitério?
1) O QUE É A CULPA?
Culpa no grego é katakrima. É um sentimento e como tal possui sua ilogicidade, que representa uma condenação/reprovação pela nossa consciência diante de um ato cometido, um comportamento tido. Nesse sentido a culpa fala (v.10). A voz do sangue de Abel não era outra senão a da culpa do seu irmão Caim que estava recalcada por uma série de arrazoamentos carregados de auto-justificação. O grito do fundo de um alma que estava prensada pela culpa de cometer um fratricídio.
Para Freud a culpa é o efeito do constrangimento social (uma espécie de medo do juízo alheio) que tem suas raízes na repreensão paterna na infância. Já Lacan vai dizer que o objetivo da psicanálise é apaziguar a culpa (v.14, c,d).
Para o teólogo Martin Buber a culpa era o resultado da violação de uma relação humana (v.11). Essa liberdade que dispomos nos leva ao risco e também a possibilidade de ferir e ser ferido. Nesse choques de liberdades é que ocorrem os conflitos, as violações e portanto a culpa.
Para o filósofo Paul Ricoeur há uma culpa irreal (normalmente neurótica) e outra real (ética) (v.13). Nesse sentido a culpa se torna uma benção para nós, como bem assinala Caio Fábio, pois por ela podemos corrigir nossa trajetória, reconhecer nossos erros e entender que precisamos da ajuda de Deus.
A culpa está muito ligada a religião. Ela não é só um tema psicológico, mas como vimos, um termos religioso, espiritual. A Bíblia fala de uma culpa existencial, de uma culpa em relação a Deus (v.14a,b). Essa só pode ser tratada via Jesus Cristo.
Culpa pode ser ainda a tensão entre o que somos e o que gostaríamos de ser.
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2) COMO LIDAMOS COM A CULPA?
A culpa nos faz tão mal que normalmente lidamos com ela usando os mecanismos de defesa que temos na alma. Dessa forma, evitamos encarar as nossas falhas e por isso, REPETIMOS sempre os mesmos erros. Geralmente fazemos uso de:
2.1- expedientes de FUGA (v.14) – Caim se tornou fugitivo. Fugir é não querer encarar a realidade, nem relembrar aquilo que fizemos de ruim. Quem foge não está tratando o problema, simplesmente o suspende unilateralmente. Lembra da crise entre Esaú e Jacó? 20 anos depois os ânimos estavam mais acirrados. O que mudou para que houvesse reconciliação entre aqueles dois? Jacó alterou sua postura (ele se humilha perante o irmão), e agora “meio manco” não podia mais fugir dos seus problemas.
A Fuga pode pregar peças para nós. O texto de Genesis 4:16 diz que Caim foi para Node, ao oriente do Éden. A direção do oriente era, na poesia bíblica, associada muitas vezes com expectação do juízo divino. Ou seja: Caim esperava receber uma punição exemplar. Culpa não tratada gera auto-punição. Pessoas sofrem e passam a sofrer numa tentativa de purgar/apagar seus erros. Só que o auto-flagelo não redime a culpa, nem sua voraz fome de destruir o nosso interior.
2.2 – Recalque – é quando sublimamos a culpa. Essa sublimação se manifesta em agressividade e esquecimento. Nem toda agressividade é oriunda da culpa, mas toda culpa recalcada conduz o indivíduo a uma agressividade. Passa-se também a esquecer das coisas que têm ligação com aquele ponto;
2.3 – Neurose – podendo criar uma culpa falsa sobre a verdadeira. Para Ricoeur a neurose era o resultado de uma culpa não resolvida. Paul Tournier faz uma interessante citação da definição de neurose pelo Dr.Stocker: “neurótico é aquele que não fala um palavrão”. Exemplo disso em Gênesis 4 está na descendência de Caim. O resultado da neurose de Caim alcançou e foi multiplicado no coração de Lameque (Gen.4:24).
2.4 – Deformação do senso de responsabilidade – é quando passamos a nos culpar pela realidade nefasta presente no macrocosmo. Exemplo: ao invés de ter sensibilidade para os que padecem privações (sem casa, sem comida, etc), passamos a nos culpar por termos estas coisas enquanto os outros não a possuem.
2.5 – Apêgo a um moralismo – que nos leva a projeção no outro daquilo que não suportamos em nós. O que não vencemos em nós, realçamos no outro de modo implacável. Daí passa-se a dar valor extremado a certos tipos de códigos ou de leis, em detrimento do ser humano.
2.6 – Auto-justificação (4:9) – sempre tentando explicar o inexplicável. Com isso acabamos transferindo nossa responsabilidade. Adão (Gen.3) transferiu para Eva que por sua vez, jogou a culpa na serpente.
A grande questão da culpa é que ela não afeta somente nosso comportamento. Ela rouba o melhor que temos dentro do nosso mundo interior. Retira nossa paz, nosso equilíbrio; atrapalha nossa leitura da realidade. Além disso ela afeta as nossas decisões e escolhas. Muita gente sofre porque toma decisões, faz opções calcadas na culpa. Há pessoas que por conta da culpa, boicotam a si mesmas.
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3) QUEM É CULPADO?
A Bíblia não alivia. Ela diz que todos somos culpados, uma vez que não há um justo sequer (Rm.3:10) excetuando Jesus (Rm.3:26). A Lei aponta para nossa realidade: ela mostra quão incapazes e deploráveis somos. Por isso não só somos culpados, como também somos culpáveis. Exemplo da agonia que essa verdade e realidade trazem está no drama existencial escrito por Paulo em Romanos 7.
4) COMO DEUS LIDA COM A CULPA?
Ele sabe que não podemos suportar continuamente o peso da culpa. Por isso Ele VEM AO NOSSO ENCONTRO! E assim o faz para apagar a culpa consciente (Mq.7:18) e tornar consciente a culpa reprimida/recalcada (II Sm.12).
No Éden e fora dele a culpa é oriunda do pecado, da escolha errada. Porém em ambos os casos (Gen.3 e 4) Deus vai ao encontro do ser humano.
A proposta de Deus é a subtração (Mt.11:28). Quando o Senhor vem tratar Caim ele age com severidade para que houvesse confronto com o pecado, mas também com graça. O sinal que ele deixa em Caim não era uma punição, mas marca da Graça dEle. Os sinais de Deus ao longo da história não são demonstrações narcisísticas de poder, mas sim dispensações do Seu Amor, da sua Misericórdia e da Sua Graça. Exemplo maior disso é a Cruz! Nela está toda a culpa (Col.2:14) da humanidade (uma das razões pelo qual Cristo não conseguiu carregá-la todo tempo na via crúcis) mas também nela estava toda a Graça de Deus.
Quando erramos Deus não nos abandona ao sufocamento da culpa. Ele vem ao nosso encontro com o oxigênio do perdão!
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CONCLUSÃO
Há uma culpa mãe que está na gênese de toda culpa. É nossa culpa existencial, oriunda do pecado contra Deus. Algo que nos dá a dimensão que somos devedores. Algo que faz com que sempre queiramos pagar alguma coisa… quando Cristo já quitou tudo!
E essa culpa se trata diante de Jesus, com Ele. Você quer fazê-lo agora? Então ore ao Senhor, peça perdão a Ele e agradeça por ele ter quitado sua impagável divida. E desfrute da doce verdade de Romanos 8:1
“Agora pois, nenhuma condenação (culpa) há para os que estão em Cristo Jesus.”