O AMOR NÃO SE PORTA INCONVENIENTEMENTE.
(I Cor.13: 5a)
O que você chama de inconveniente? Pode ser uma chamada fora de hora, um “bicão” num papo muito bom, ou mesmo alguém se vestindo de modo mais ousado… Fato é que conquanto esses exemplos apontem para alguns inconvenientes, o ensino bíblico aponta para algo mais profundo. Inconveniente (aschemonei – grego) é um comportamento indecoroso, pautado na arrogância, na busca dos próprios interesses. É algo que não tem postura, pois não se harmoniza com a forma que deveria ter, uma vez que o amor evita toda a gama de inconveniências.
A Igreja de Corinto era uma igreja enfatuada. Igrejas enfatuadas são reuniões de indivíduos. Por vezes esse enfatuamento está nos outros que não permitem nosso acolhimento. Contudo, muitas outras vezes esse enfatuamento está em nós, quando não damos chance a igreja de ser igreja[1]. Nelas não acontece o milagre do Corpo, a nossa transformação em uma nova e regenerada sociedade. Por isso a vergonha se tornava em Corinto um efeito corolário. Enquanto o amor preserva, a inconveniência expõe. É claro que eventualmente o amor pode levar a uma exposição. Mas jamais com o objetivo de envergonhar e sim de recuperar.
O que podemos aprender aqui nesse texto? Que cuidados devemos ter?
1) O cuidado com a presunção.
É impressionante, mas a vida hodierna está calcada na presunção. Muito se fala sobre fazer e manter o marketing pessoal, de elaborar um planejamento estratégico da vida para alcançar seus objetivos e metas… há pastores, inúmeros, mirando o ministério das mesmas grandes igrejas… é isso que Deus quer?
A presunção é irmã da aparência. Importar é projetar (daí a necessidade de poder, para projetar sobre muitos outros) aquilo que se não é. É quando se tenta parecer ser bom e na verdade não se é. Os “carreiristas”, aqueles que são apegados aos status funcionais reduziram sua existência a um “job description”. Eles simplesmente são o que fazem. Na perda de um emprego ou numa aposentadoria entram em crise existencial.
Presunção é arrogância sem autenticidade. Tem poder de impacto (fruto da arrogância), mas sem efeito duradouro porque é oco por dentro. Não há substância, “sustança” do lado de dentro que lastrei esse impacto primeiro.
O problema da presunção é que ela impede a comunhão. Ou pelo menos a estabelece sobre bases erradas. Porque comunhão se cria pelo viés da fraqueza. Podemos admirar os super-heróis, mas não dá para ter comunhão com eles. A identificação, elemento tão primordial para a legítima comunhão só se estabelece entre os fracos. Observe: falei entre os fracos, não entre os cínicos. Fraco é aquele que reconhece sua limitação em fazer o certo, porém continua tentando; cínico é a pessoa que justifica o erro pela sua inerente fraqueza.
- QUEM SABE QUE VOCÊ É FRACO? HÁ ALGUÉM NA IGREJA, NO CONVÍVIO DOS IRMÃOS QUE TENHA CIÊNCIA DE SUA FRAQUEZA?
2) Cuidado com o vazio.
Sabe qual é o centro de um coração que se porta inconvenientemente, de um coração presunçoso? O VAZIO. O âmago da inconveniência é o vazio. Por tentar manter aquilo que não é, o presunçoso acaba desperdiçando grande quantidade de energia emocional. Há uma preocupação com a manutenção da imagem, o que não deixa de ser uma idolatria pessoal. E isso remete a um ciclo vicioso no qual a manutenção desse ídolo criado no âmbito do ego, acaba tornando o sentimento de vazio cada vez maior.
A presunção revela um coração vazio de Deus e do Amor agape. Por isso nele floresce a vaidade, ao invés da verdade. E onde ela cresce sobra espaço para expectativa da adulação do outro, bem como para a implacabilidade com o próximo. O coração arrogante não abriga a misericórdia. O amor preenche o vazio, mas não convive com ele.
Perdemos muito tempo na manutenção e projeção de uma imagem. No fim, queremos ser adorados quando o único Ser que pode receber veneração sem criar distorção é Deus. Os demais, toda vez que adulados, se tornam presunçosos. Talvez seja essa uma das implicações do espelho paulino: quando nos depararmos de modo pleno com aquele que é perfeito e pleno em Amor e na “capacidade” de ser adorado, veremos que o que temos é a salomônica constatação: vaidade, presunção.
O problema dessa manutenção do vazio, além de nos condenar a um possível e indesejável dano emocional, é que não abre espaço para o tratamento. Isso porque o presunçoso não se enxerga. Ou se enxerga de modo enviesado… afinal, quem não quer ver algo na verdade já viu… Após um tempo ele mesmo acaba vendo somente a projeção. É por isso que pessoas repetem os mesmos erros… não é maldição hereditária não… é cegueira mesmo…
- O QUE VOCÊ ANDA ESCONDENDO? O QUE EM VOCÊ PRECISA SER TRATADO?
3) O cuidado de se construir para fora.
Como se constrói o amor? Alguns entendem que essa construção se dá pela via do 2º mandamento, numa perspectiva de amar primeiro a si para depois amar os outros. Sempre suspeitei de algo meu ególatra nessa interpretação. Pessoalmente não penso que o 2º mandamento seja um convite a descoberta primeira da estima pessoal. Mesmo porque os narcisistas, pessoas de mais elevada estima pessoal, possuem sérias dificuldades em amar os outros. “Ame-se” diria o pessoal dessa linha. Acho que o paradigma está ali. Amar ao próximo como me amo. Nada menos do que isso. Não é para amar como o outro ama e sim como amo.
Por isso é que o amor se constrói não para dentro, mas sim para fora. O Amor só pode ser construído no relacionamento com os direitos e necessidades dos outros. O amor faz com que sacrifiquemos nossos direitos em prol do direito dos outros. O amor reacende o sentido da vida, a nossa real vocação.
É por isso que uma pessoa que tem agape quando almeja poder o faz na perspectiva do serviço, da utilidade, da redenção do próximo. Ao passo que os que se portam inconvenientemente desejam poder não para os outros, mas para si, visando manipularem as pessoas para atingirem suas finalidades. Buscam poder para perpetuar o vazio interior.
- QUANTO VOCÊ TEM PENSADO NOS OUTROS? VIDE A NECESSIDADE DO NATAL DO TERREIRÃO…
CONCLUSÃO: O AMOR NOS CONVIDA A REALIDADE
A palavra para compostura, para se portar (poise – grego), refere-se àquela parte pesada e central do barco que confere a ele equilíbrio, evitando que ele afunde. Quando falta densidade ao núcleo da vida, balançamos ao vento da vaidade. Inclinamos aos convites do poder. A presunção toma conta do coração, distorce a realidade e faz com que as pessoas quando a vejam o façam de modo desfocado.
O AMOR É O QUE É! O amor não é fake. Não é factóide. Não é virtual. Por isso ele nos convida a realidade. E nela somos todos igualados pela nossa fraqueza. Todos perecemos. Por isso não há espaço para super-heróis na igreja. Igreja não é lugar de Jacó´s-Hermes (Hermes era um deus da mitologia grega conhecido por sua velocidade e por ser um mensageiro dos demais deuses). Igreja é lugar para Jacó’s-mancos. A nossa cura enquanto ser começa aqui. Assumindo o que somos, desejando o que Deus quer que sejamos.
E nesse momento de tratamento dois demônios dos mais poderosos atacarão nossa alma, conquanto nenhum deles seja do panteão afro: ansiedade e medo. Eles tentarão manter nossa maior idolatria: a egolatria. Eles nos intimarão a mantermos a vaidade. Contudo, não se engane: na preservação do vazio eles querem a nossa destruição.
Deixe a densidade entrar na sua vida. Deixe o amor preencher você. Deixe o amor tratar e transformar sua vida.
Pr.Sergio Dusilek // sdusilek@gmail.com
[1] Essa ausência de chance pode ser marcada por um boicote a todo e qualquer tipo de envolvimento maior (não participação); pela comparação e flerte constante com outras comunidades de fé; pela exigência sufocante do cumprimento de uma expectativa pessoal de envolvimento inibindo o espaço da espontaneidade, entre outros.