Novos Caminhos, Velhos Trilhos

fevereiro 19, 2019

Teologia a partir da periferia.

Filed under: Sem categoria — sdusilek @ 10:57 pm

Teologia a partir da periferia.

“Pode vir algo bom de Nazaré?” (João 1:46)

 

Eu confesso. Confesso minha visão míope e distorcida que por anos legava aos grandes centros teológicos a construção de uma boa e “consistente” teologia. Confesso meu preconceito, quiçá um revanchismo tal qual havia entre a Cafarnaum de Natanael e Nazaré onde Jesus cresceu. Para mim era impossível vir algo bom de Nazaré… Era!

Tenho observado com muita atenção o que me parece ser um agir de Deus. Ao que tudo indica Deus deslocou a boa teologia outrora pertencente aos grandes, históricos e afamados centros de saber teológico no país para a periferia[1]. Tal mudança se deu, ao meu ver, na mesma proporção da capitulação, uma a uma, dessas casas do Saber Teológico para o Fundamentalismo. Sim, ao transformar a fé cristã num mero conteúdo doutrinal e não numa singular dinâmica de vida com Deus (Ebeling), o Fundamentalismo transtornou o cristianismo e colapsou a dinâmica inerente à própria teologia. A apregoada pretensão fundamentalista de remissão ao passado nunca é na intensidade maior da vida transformada e transformadora que há em Jesus. O desejo de retorno às fontes primeiras, numa espécie de Renascimento religioso tardio, jamais tange a mais linda manifestação da koinonia da nascente igreja: o fato deles passarem a ter TUDO em comum. Não me lembro de nenhuma igreja sequer da mais pura ortodoxia, da mais intransigente reta doutrina, fazer uma campanha para que os ricos vendessem o que têm e doassem aos mais pobres da comunidade de fé… é, no fundamentalismo, a doutrina é comum, mas o bolso segue sendo privado. Faltam “Barnabés”…

Outro problema enfrentado pelos grandes e tradicionais centros do saber teológico no Brasil é sua “MECização”. Se a influência fundamentalista representa uma “mecanização” da teologia, o reconhecimento do curso acarretou consigo uma revisão docente e conseqüente troca de professores capacitados e com aquilo que chamo de “eclesiopneustos” (que respiravam Igreja), por outros que produziram um outro tipo de “mecanização”. O expurgo de grandes referenciais pastorais acarretou uma perda da visão missional dessas casas, a tal ponto, que boa parte hoje não “produz” nem teólogo, nem pastor.

Recentemente num encontro promovido pelo CEBEP, ouvi do qualificadíssimo Bispo Metodista Geoval Silva, o seu testemunho de quantas pessoas do sertão estão fazendo cursos de teologia, sendo alcançados por gente muito preparada como o currículo dele mesmo atesta. A experiência do Seminário Teológico Batista Carioca no bairro de Campo Grande, no Rio de Janeiro, também aponta para essa mesma verdade.

Sonho, oro e luto para que os grandes centros de teologia voltem a ser significativos. Contudo, ao que parece, é da Galileia dos gentios que vem surgindo um novo sopro de esperança para uma teologia comprometida com a Missão.

Mesmo tendo muito mais a dizer, queria sugerir, caminhando para o final desse texto, algumas marcas que para mim se encontram presentes nessa Teologia que vem da periferia, da Galileia:

  1. Ela ainda não recebeu investimento externo oriundo do fundamentalismo, especialmente o estadunidense. O que implica dizer que pode haver grandes centros teológicos que ainda seguem isentos dessa influência, e espaços periféricos que já foram cooptados e que por isso deixaram de desenvolver aquilo que chamei, ao longo desse texto, de uma teologia a partir da periferia;
  2. A teologia que vem da periferia estuda a Teologia Sistemática; no entanto, ela é menos dogmática e mais encarnacional. Notadamente há um grande foco, ao se pensar na Teologia Bíblica, nos Evangelhos e na vida e minsitério de Jesus;
  3. Por ser menos dogmática, sua preocupação é mais missional, mais pastoral, o que não a impede de ser academicamente boa e relevante;
  4. Por estar longe de influência direta dos grandes centros do poder religioso, essa teologia pode se tornar mais arejada e mais dialogal, não sendo cativa de certas tendências de perpetuação e de ideologias;
  5. Tal teologia periférica pode açambarcar múltiplas tendências, evidenciando a riqueza e variedade presente na teologia, especialmente devido ao caráter polissêmico do texto bíblico;
  6. É uma teologia mais voltada para o Reino de Deus e menos eclesiástica, menos denominacional;
  7. É uma teologia que sublinha a esperança, que enaltece o amor, que joga luz sobre a Graça, que é comprometida com a Justiça e que consolida e anima uma caminhada de fé cristã;
  8. Por fim, mas sem a pretensão de esgotar tais marcas, ela costumeiramente é produzida em solo fértil. Os alunos “periféricos” centralizam a importância de tais aulas e conteúdo. Se a formação educacional não costuma ser muito boa (o que mostra a falha da educação no país), ela é compensada, sobejada pela avidez e dedicação no aprendizado. Sim, a teologia feita por toda a Galileia brasileira, é realizada por gente que tem fome de conhecimento.

 

Sim, há muita coisa boa acontecendo em “Nazaré Grande”, em “Cafarnaulina” e demais rincões desse país. É Deus soprando Seu Espírito em locais com menos “filtros”. Sim, o Senhor traz um renovo e esperança para nós.

 

Pr.Sérgio Dusilek

Pastor na Igreja Batista Marapendi

Professor do Seminário Teológico Batista Carioca

Doutorando em Ciência da Religião – UFJF/MG.

 

[1] Há exceções é lógico; porém a grande pergunta nesses casos é: até quando?

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