“DEUS ODEIA O PECADO, MAS AMA O PECADOR” (Rm.5:6-10)
A formulação correta desse jargão é como lemos acima. A inversão da ordem, conquanto não desbaste o conteúdo, abranda a força da sua aplicação. Isso porque esse jargão é comumente usado em contextos legalistas, ou mesmo como resposta padrão daqueles que foram pegos na incoerência presente no discurso religioso.
O legalismo se faz presente pela primazia do pecado e não do amor de Deus. Não é o pecado que pauta nossa relação com Deus, mas sim o Seu Amor. Ocorre que para muitas comunidades religiosas essa formulação aponta para o desejo inócuo de experimentar o amor de Deus após provar seu merecimento, após vivenciar uma pretensa auto-justificação pessoal. Sem perceber, ao invés de acolher pecadores e se ver como pecador, tais comunidades acolhem religiosos… ora, quem mais consegue se ver sem pecado, que não os religiosos? O ápice dessa compreensão é a noção da impecabilidade do crente…
O legalismo presente nessa terminologia se mostra na ênfase ao erro. Isso porque a Lei só ganha facticidade, concretude quando há o seu descumprimento. Mas será que esse jargão está correto? Parece que seus termos estão né, afinal a Bíblia fala de uma ira divina contra os filhos da desobediência, além de reafirmar o amor de Deus.
Ao que parece as coisas não são tão simples como expressas nesse jargão. E isso principalmente pela junção dessas partes. Senão vejamos:
- Não há como Deus amar outro tipo de pessoa que não seja o pecador (v.8).
A Palavra afirma que todos pecaram (Rm.3:23) e que não há homem algum que não peque. Há assim uma indissociabilidade entre o que somos e o que recebemos, que é o amor de Deus. Nosso status de pecador nos torna absolutamente carentes do amor de Deus, pois não há outro motivo para sua aproximação e redenção que não seja o SEU AMOR.
Interessante que Heidegger na obra “As Marcas do Caminho”, ao comentar sobre a positividade da teologia, ressalta a condição de pecador do Dasein. Ele diz que o “pecado só se revela na fé, e só o crente pode existir faticamente como pecador”. Na percepção do filósofo alemão, o pecado é um auto-lançamento de Deus, se tornando a determinação da crença. Nós cremos, exercemos nossa fé, justamente porque pecamos ou porque temos medo de pecar. E esse temor gera a angústia, espaço onde se origina a crença, a fé.
Se não há como afastar nossa condição de pecadores, resta-nos destacar que:
- O Amor de Deus é pleno, puro, doador. Não somos dignos de ser amados. E a única maneira de nos relacionarmos com Deus, insistimos, é pelo Seu amor.
- Justamente por sermos pecadores é que o amor de Deus é trazido à existência. Deus é amor (I Jo.4:8) e como tal, o amor divino reside como essência nEle. Mas a existência é o âmbito do humano. Esse amor perfeito ganha contorno justamente nessa interação com a nossa pecadora condição.
- Literariamente a nossa condição de pecador realça o amor de Deus por nós.
- Há então uma indissociabilidade dos termos.
Não é um ou outro, mas um e outro. No texto de Romanos isso aparece nos versos 6, 8, 10. Paulo fala que éramos “fracos”, “pecadores” e “inimigos”. Não há como ser diferente. De uma incapacidade (fracos), uma impossibilidade para Deus, para um relacionamento com Ele. Somos fracos até mesmo para resistir ao pecado (Heb.12:4). E isso acontece na plenitude do tempo (v.6), que é o tempo do cumprimento.
Há também um tempo do cumprimento de Deus em nossas vidas. Cabe-nos a atenção para que esse momento não seja perdido por nós. Deus continua tendo um tempo certo para os pecadores, e isso a começar pela ação vicária de Cristo.
O amor de Deus é provado por Ele ao chamar para si uma categoria da nossa existência que é a morte. Na morte de Cristo, tudo mais ganha significação, sentido, substância. E a morte de Cristo nos leva ao Pai, mas também traz sua vida para nós (v.10). Em outras palavras a prova desse amor é dada, segundo Stott, tanto no elevado custo do presente dado como na elevada ausência de condição de quem recebe esse presente.
Em termos bíblicos não há como falar em amor de Deus sem falar na pecaminosidade humana; e vice-versa. Nesse sentido é inoperante essa forma de querer separar amor e pecado no jargão.
- O que nos resta a fazer?
Isto posto quero sinalizar algumas coisas que precisamos reter:
3.1) Não há como dissociar o ser humano de sua condição pecaminosa. O pecado nesse sentido evidencia o amor de Deus por nós (fracos, pecadores, inimigos)
3.2) O fato de sermos pecadores sublinha o amor de Deus, realça o tamanho e profundidade desse amor (Rm.8)
3.3) Olhe para Jesus, o único sem pecado. Ele escolheu amar os pecadores, não puni-los. Mesmo porque o pecado em si é uma punição, uma vez que não há pecado que não traga sofrimento, dor. Por que teria que sermos nós a impingir sofrimento?
3.4) Sem pecado não haveria cruz. Sem pecado não seríamos constrangido pelo amor de Deus. Sem pecado jamais entenderíamos que o “Reino de Deus é o reino que começa exatamente do outro lado da cruz” (Karl Barth).
3.5) O amor de Deus se mostra nas pressões e perseguições que recebemos. O texto de Romanos 5 fala de thlipseis que não é um sentimento, mas uma ação externa que sofremos. Essa pressão e perseguição é contrastada por outro ação – que é o amor de Deus. Tá sofrendo perseguição? Acolha o amor de Deus em seu coração.
3.6) Esse amor nos constrange. O religioso age por medo da lei, da punição. O crente busca agir pelo constrangimento que o amor de Deus gera em nós. No amor não há Lei.
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