Novos Caminhos, Velhos Trilhos

novembro 5, 2022

DOIS MESES DEPOIS.

Filed under: Sem categoria — sdusilek @ 4:14 pm

DOIS MESES DEPOIS.

Passados quase dois meses do meu linchamento virtual, sinto-me mais tranquilo para falar tanto sobre o que aconteceu quanto sobre os seus desdobramentos. O intuito aqui é servir como registro. Aprendi há mais de uma década, de que desconhecido não se convence, pois ele não acredita em você; opositores não se mudam, pois eles são contra você; e amigos não precisam dos seus argumentos, pois estes confiam em você.

Com isso em mente é que passo a expor aquilo que somente poucos viram e viveram, com a sua (caro leitor) devida licença e paciência.

No curto período em que fui Presidente da Convenção Batista Carioca, recebi inúmeros convites para estar com políticos, para dar apoio a alguns deles. Desses muitos convites, aceitei somente três. Somente um foi direcionado ao Presidente da CBC, ou seja, se não ocupasse o cargo, não seria chamado. Falo aqui de um café com o Governador do Rio de Janeiro, no qual ele praticamente fez um monólogo…

Os outros dois foram feitos por amigos. O primeiro, em Junho deste ano, foi para participar de um evento onde estaria o deputado federal (reeleito) Hélio Lopes. O segundo convite foi feito a mim na tarde de 5ª feira dia 08/09/2022 para estar no encontro dos evangélicos com Lula, na manhã seguinte, no ginásio do Clube Tamoio, em São Gonçalo (RJ).

Em ambos os encontros fui apresentado como Presidente da Convenção Batista Carioca. Aliás, fui apresentado como tal em diferentes igrejas onde preguei ao longo deste último ano convencional. Neles também foi me dada a palavra. Só que no primeiro, com o deputado, é bem possível que você só tenha tomado ciência agora. Sim, porque para estar com apoiadores de Bolsonaro, nunca houve qualquer problema para a estrutura denominacional asfixiada pelos gases da república do Paraná.

Em tais encontros a minha fala foi personalíssima, isto é, de caráter estritamente pessoal, mesmo porque sei do axioma que rege os batistas: “nenhum batista fala pelos batistas”. Ora, justamente por entender e defender assim é que minha palavra jamais poderia ter sido tomada em caráter institucional. Mesmo porque, como você deve saber, um presidente fala, em nome de uma convenção batista (nunca em nome dos batistas), somente em três ocasiões: a) quando na direção de uma reunião oficial (Assembleia, Conselho ou diretoria); b) quando demandado ou autorizado por uma Assembleia ou Conselho (expediente que, por exemplo, provoquei já no início do meu mandato para uma demanda intra corporis sobre um assunto relacionado à CBB); c) quando, usando a prerrogativa regimental, ele (presidente) SE qualifica (o que pode ser visto no manifesto que fiz sobre o caso Moíse, congolês assassinado em um quiosque na Barra, e que está no site da CBC). O que quero mostrar a você, querido leitor, é que eu tinha plena consciência da liturgia do cargo e em nada o defraudei.

Sendo assim, reitero: esbocei minha visão, minha posição. Não falei por ninguém, mas falei com os que estavam lá em São Gonçalo, numa concordância elíptica. Assim deve ser entendida a única vez que usei um verbo no plural. Me referia tão somente aos que estávamos naquele ginásio, para aquele encontro.

Importa destacar nesse momento, dois detalhes. O primeiro é que nunca, até a eleição à presidência da CBC, participara de uma reunião com políticos, de um jantar pró-campanha, que seja. Tampouco subscrevera algum candidato, nem tirara foto para material de campanha. Por conseguinte, tampouco havia discursado em um evento político.

Não uso o púlpito para fazer política partidária. Não dou a palavra a candidato. Não desrespeito, muito menos persigo quem pensa diferente de mim. Nunca destratei um irmão por ser bolsonarista. Ao contrário, tratava com dupla honra justamente para não dar espaço para uma interpretação dúbia.

O segundo detalhe-destaque é que meu convite para falar no evento com Lula ocorreu 30 minutos antes dele ser iniciado. Sendo assim, não houve premeditação, preparação, acordo prévio, acerto, etc. Conquanto tenha sido apresentado como Presidente da CBC e Pastor Batista, o convite para falar foi feito ao Sérgio e não ao presidente ou ao pastor. Para você ter uma ideia, saí de lá com minha esposa, passei em um velório para dar um abraço no pastor que perdera sua esposa, e fui almoçar em um shopping. Não recebi reembolso de combustível, de almoço. Nem era para receber, pois nada tinha a ver com o PT.

Minha fala teve exortação bíblica aos candidatos. Teve também uma forte ênfase e denúncia social, afinal a mendicância avilta a Deus (Ez.16:49). No curto período que usei (cerca de 4 minutos) também teve a minha posição, fruto da minha compreensão, de que a Igreja deveria pedir perdão ao candidato Lula, uma vez que estava vendo se repetir o filme da campanha de 1989, quando Lula, bem mais novo, fora demonizado. No meu entendimento e leitura dos Evangelhos, Jesus não ensinou seus discípulos a colocar demônio nas pessoas, mas a tirar, exorcizar, sempre que algum se manifestava diante deles. Como cidadão, penso que se deve votar em candidatos pelas proposições que eles apresentam e caminhos que eles representam; jamais colocá-los sob um véu religioso e muito menos ainda sob uma preconceituosa pecha.

O que se viu depois disso foi um festival de horrores.

A virulência e violência com que fui atacado, o vilipêndio que sofri, as ameaças, o desrespeito com a Igreja na qual sou um dos pastores, tudo promovido em sua esmagadora maioria por gente que se diz evangélica, mostrou para mim que as igrejas cresceram, mas o Evangelho de Jesus não teve o mesmo crescimento neste país. Desta forma, penso que o exponencial crescimento evangélico no Brasil representou, em sua maioria, a adesão às igrejas e não uma conversão a Jesus Cristo.

O fato de muitos me chamarem de demônio, de anticristo, de renegarem minha vocação pastoral, meu chamado pastoral dado por dom do Espirito Santo, reforçou a minha convicção de que a fala sincera que fiz em São Gonçalo, estava correta. Se boa parte da Igreja evangélica do país não tivesse sido intoxicada com essa fundamentalista demonização da chamada esquerda, minha abordagem simplesmente não traria qualquer dificuldade. Para você ter uma noção, ninguém que esteve naquele ginásio me procurou, seja da imprensa, seja dos presentes, para fazer qualquer registro sobre minha fala. Sabe por quê? Suspeito que não tenha dito nada demais para os que ali estavam.

O celeuma criado foi fruto da edição do vídeo que viralizou contendo a minha fala, aliado ao confronto com a triste verdade, qual seja, de que a Igreja (boa parte dela) demonizara o candidato Lula. Aliás, já na 4ª feira dia 14/09, dia da entrega da minha carta de renúncia à presidência da CBC, Deus me deu uma visão do que foi a sexta dia 09/09: Nela vi que Ele me colocara como um navio (não o único) tipo o Barão de Tefé da Marinha do Brasil, usado para pesquisas e viagens a Antártica, para ir quebrando as placas de gelo sob as quais se assentava a maldita sentença que igualava Lula ao demônio. Sim, olhando para trás, tenho cada vez mais certeza de que a reação, desproporcional ao meu ver, reforça a minha convicção de que era preciso quebrar essa crosta.

Logicamente, há um custo ao casco. Ninguém passa por um linchamento, ainda mais sem motivo, sem sofrer avarias. No entanto, não me arrependo do que disse. Tenho, isto sim, muita tristeza pela reação odienta e anticristã que sofri.

A forma como meus pares e como a liderança denominacional tratou este episódio é um capítulo à parte. As muitas notas que foram soltas de convenções estaduais diferentes da CBC e mesmo da CBB se mostraram impróprias. Ora, mesmo que tivesse cometido um excesso de mandato, minha fala estaria circunscrita à convenção da qual era presidente, nada tendo a ver com as demais convenções estaduais. Ao produzirem notas, tais convenções, inclusive a CBB, violentaram o ordenamento institucional e o respeito que, entre elas, deveria haver. Por esta razão defendo que os batistas não deixaram de ser batistas na minha fala, mas na reação a ela.

Quando na semana anterior ao dia 09/09, a OPBB/SP deu a palavra a políticos (especialmente o astronauta) no culto alusivo aos seus 80 anos, não fiz nota como presidente da CBC. Manifestei meu estranhamento e desconforto a colegas de SP. Todavia, se cabia uma nota, era da própria Convenção Batista do Estado de São Paulo. De fato é uma pena que tenhamos uma liderança tão enfraquecida que não reconheça seus limites institucionais.

Não houve notas quando foi dado espaço na assembleia da CBB em Natal-RN (2019) para que um vídeo de saudação do presidente eleito fosse transmitido na abertura. Não houve notas quando um presidente da CBB, usando os canais da Convenção e se qualificando na sua fala, conclamou o povo batista a jejuar para que o STF não concedesse o habeas-corpus a Lula em 2018. Não houve condenação quando pastores cederam seus púlpitos a Bolsonaro. Não houve nota quando Franklim Graham, após angariar o apoio de igrejas, muitas delas batistas, para sua cruzada em Copacabana, projetou um vídeo do presidente.

No tocante à primeira nota da CBC, manifestei minha contrariedade à sua confecção. Entendia, e os dias seguintes mostraram que estava certo, que aquele primeiro momento era um período de silenciamento, de esperar o tufão passar, para depois contabilizar os prejuízos e tomar as melhores decisões. Sabia que, ao publicizar qualquer documento, os abutres (de sapatênis ou não) o devorariam, bem como aos seus signatários. Tinha consciência também que os pruridos impediriam uma leitura e absorção isenta num primeiro momento. Assinei a nota com um pequeno acréscimo que sugeri, após insistência de um membro da diretoria. Não antes sem renovar a advertência inicial.

Perdão caro leitor, mas nunca foi pelo princípio de separação Igreja e Estado, mesmo porque estava em um clube, não em uma igreja; à vontade e não paramentado com terno, gravata, etc.; exercendo outro princípio batista: o da liberdade de expressão. A pergunta diante dessa discrepância no trato que sugiro que você faça é: por que a balança enganosa? Era o pastor Sergio que precisava ser incinerado pela fogueira inquisitória? Caso sim, por que razão? Ou era o candidato Lula que precisava ser evitado? Nesse caso, por quê? A Convenção em algum momento fechou apoio a Bolsonaro? E se fechou, comunicaram ao Pr. Sergio? Por que culpar uma fala em evento do PT e desconsiderar falas mais comprometedoras, aos roldões, direcionadas ao candidato da extrema-direita?

Quem, minha querida irmã batista, calibrou você para que me excomungasse? Já se perguntou o porquê disso?

Registro aqui também a falta de espírito cristão e mesmo lealdade no trato para comigo. Nenhum destes signatários das notas, embora a grande maioria tivesse meu contato, sequer entrou em contato comigo para saber o que houve, para conversar, para orar. A marca da lealdade de alguns oscilou entre o avisar que no dia seguinte teria uma nota de repúdio assinada por este colega, e as indefiníveis expressões de solidariedade esboçadas por alguns na privacidade do whatsapp, ao passo que apunham suas assinaturas em tais documentos condenatórios.

O resultado desse frenesi interno foi a escalada do problema. Na minha visão, ao soltarem as diferentes notas, a imprensa foi trazida para dentro do problema. A partir daí, duas coisas ocorreram: a amplitude, o alcance do episódio extrapolou as fronteiras denominacionais, evangélicas e nacionais (sim, não só os grandes jornais e programas de respeito da TV no Brasil, como também a cobertura europeia das eleições o que me faz dar entrevistas até hoje (França, Alemanha, Suécia, Inglaterra, Dinamarca, entre outros); a perplexidade ao constatar que jornalistas que não professam a nossa fé, possuem mais discernimento espiritual e bom senso do que inúmeros irmãos e irmãs, pastores e pastoras das Igrejas Batistas. Esta última constatação, particularmente falando, para mim foi a mais doída.

Termino com gratidão a você que acompanhou este texto até aqui. E o faço dizendo que desconheço esta igreja que cancela o contraditório, que silencia o divergente, que anula o plural, que uniformiza os seus. Se esta é a realidade da igreja evangélica, quiçá batista, preciso dizer que a Igreja de Jesus Cristo pouco ou nada tem a ver com ela. Desconheço também inúmeros colegas que se pronunciaram sem sequer conversarem comigo. Desconheço aqueles e aquelas que uma vez apresentados como amigos, se mostraram desleais. Contudo celebro aqueles que se expuseram, que me socorreram, que me animaram nesse sombrio vale que é o do linchamento virtual.

Desconheço esse cristianismo inquisitório, essa fé legalista, essa convivência desalmada e essa comunhão desapegada. Enquanto a Ordem dos Pastores Batistas e meus pares de diretoria me entregavam às feras, eu recebia, mais uma vez perplexo, o cuidado da presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann. Para vergonha da denominação que professo, quem me pastoreou foi a presidente de um partido de esquerda.

Por fim, faço questão de não conhecer uma espiritualidade que se assenta diante de Saulo ou que se aconselha com Jezabel, ao invés de ouvir a Jesus. Espiritualidade esta que acha possível falar de Jesus com pedras na mão. Que acha normal apedrejar pessoas do povo de Deus. Não meus queridos! Quem caminha com Jesus, anda desarmado, pois aprendeu com Ele que as pedras são instrumentos de justiçamento e não de Justiça.

Registro minha gratidão aos membros da Igreja Batista Marapendi que me acolheram e manifestaram seu carinho e cuidado para comigo. Minha família e eu nos sentimos amparados e amados neste momento excruciante.

Em Cristo Jesus, Verdade e Esperança nossa,

Pr. Dr. Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek

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