Você pensou que era quem?

Não me lembro quando, só sei que desde há muito tenho aspirações ditatoriais. Assim que assumi o poder, eliminei todos os meus irmãos, líderes, aqueles que tinham poder político e que me ladeavam com especial brilho.

Pensei que, então, viria um tempo de paz. Colhi foi guerra. O “centrão” se reuniu contra mim. Meu tempo de governo foi reduzido a batalhas sem fim. Pensando bem, parece que a fumaça da beligerância se tornou meu vício. Não consigo passar uma semana sem criar uma confusão, sem provocar uma nova guerra.

Me tornei um flagelo ao povo. Meu governo trouxe sofrimento a todo meu país. Até os mais abastados, donos das “fazendas” estão reclamando da economia, da política. Nada dá certo. Nada está certo.

Sexualmente sempre fui conturbado. Sou casado, porém a fama da nossa incontida e estranha dieta sexual já rompeu os limites palacianos.

Ainda assim, para muitos, sou do povo de Deus. Moro e circulo entre eles. Os mais destacados, conhecidos, líderes religiosos estão sempre comigo. Cumpri os ritos da religião desse Deus da Bíblia. No entanto, meu coração está muito distante da paz, do amor, da misericórdia que jorram dEle sobre os que nEle creem. Durante meu governo a devoção não aumentou. O que aumentou foi a discórdia, a desconfiança e o ceticismo naqueles que se dizem de Deus.

Minha influência espiritual está longe de chegar a nulidade. Ela sempre foi negativa. Afinal, eu sempre tolerei Jezabel…Minha família está por um fio. São tantos rolos, que um acusador e um juiz já fariam o devido estrago. Temo que daqui há algum tempo só o menor membro da minha família escape ileso.

Sei que você tomou conhecimento sobre a trágica situação das minhas vísceras. As coisas não estão boas para o meu lado. Quem não leu o que foi escrito, tomou conhecimento pelos outros. Sim, carrego um problema nas entranhas que me fazem recorrer constantemente aos médicos. Às vezes sinto que minha barriga vai simplesmente estourar, sem que seja necessária qualquer facada para tanto.

Confesso que tinha planos de ficar muitos anos no poder. A vida me reservou só 20% do que sonhei. Morri no dia que meu maior medo se concretizou: minhas entranhas saíram para fora. Um verdadeiro espelho do meu governo: era tanta podridão dentro de mim, que meu corpo não aguentou. Era tanto mal cheiro em tratativas, conluios, negociatas, que faleci como vivi: cheirando mal.

O mais trágico é que não deixei saudades. Não tive honras de Chefe de Estado no meu sepultamento. Só recebi uma cova comum.

Quem sou eu???

Jeorão, filho de Jeosafá, 5o Rei de Judá (849-831 a.C.).

[II Crônicas 21: 1-20]