QUANDO A CONVENÇÃO BATISTA BRASILEIRA “PASSA RECIBO”.
Numa semana com horários trocados e truncados por conta dos estudos, acaba-se trocando o dia pela noite. Para um notívago como eu (nasci às 23:58hs) encarar uma noite de estudos não é o problema. Duro é manter-se em pé no dia seguinte, especialmente quando, entre outros compromissos, há uma live marcada sobre assunto premente e com gente muito boa.
Não por outro motivo tirei uma sesta em horário alternativo. Ao despertar, meu WhatsApp estava incandecido. A razão: as notas da CBB (Convenção Batista Brasileira), OPBB (Ordem dos Pastores Batistas do Brasil), IPB (Igreja Presbiteriana do Brasil) e depois da Igreja Metodista do Brasil. O ponto comum de todas elas: “nós não somos eles”, o que muito me lembrou o relato do Prof. Zwinglio Dias quando de sua injusta e arbitrária prisão pela ditadura militar, no qual o presbitério da Penha (no Rio de Janeiro), após quatro frustradas tentativas de reunião, produziu uma nota que ao invés de ombrear o colega pastor, marcou a separação no melhor molde “ele e não nós”.
Li cada uma das notas com atenção, postura que parece ter faltado a quem as emitiu, tanto ao se deparar com as notícias, quanto com o documento protocolado na Câmara contendo o pedido de Impeachment do presidente Bolsonaro. Minha desconfiança, se assim posso chamar, está exatamente no que é expresso nas matérias jornalísticas e no próprio documento. Em nenhum momento delas (G1, Globo, Carta Capital, UOL, e no pedido de impeachment) há menção de uma posição denominacional, mas o reconhecimento da estirpe, da árvore cristã, a qual os diferentes signatários pertencem. Trata-se de mera qualificação, como a que se presta para um registro de ata. Nesse sentido a nota da Igreja Metodista, cujo vértice eclesiástico é episcopal é muito mais coerente do a que da CBB, pois ela reconhece o direito ao livre pronunciamento e posicionamento dos seus membros. No caso da CBB, a observância dos seus princípios mais basilares significa que qualquer batista pode falar como batista e não pelos batistas. É isso que o documento protocolado e as matérias reconhecem. Em nenhum momento falam de pronunciamento oficial do grupo.
Interessante é que ao saber de líderes batistas que fazem parte formalmente falando do governo Bolsonaro, empoleirados em seus ministérios, tendo (inclusive) um deles saudado uma Assembleia Convencional (Natal-2019) em nome do presidente ao assumir o púlpito para pregar, a CBB não tenha produzido uma nota de igual teor reforçando que a presença de tais líderes nos ministérios não representam o pensamento da CBB. A pergunta é: por quê?
Soma-se a isso o “excesso” de notas e campanhas (como a do jejum pela não concessão do habeas-corpus pelo STF ao ex-presidente Lula, ou mesmo o pronunciamento contra a ADI 5668, num evidente sinal de quem não leu o parecer da então PGR Sra. Raquel Dodge) contra posicionamentos que flutuam entre o bom-senso, centro e esquerda. Ora, por quais motivos há uma profusão de pronunciamentos numa direção e o completo silêncio na outra? A CBB em alguma assembleia tomou a decisão de que ela passaria a ser de extrema-direita?
Agrava-se a falta de pronunciamento, do exercício da voz profética de uma Convenção sobre a asfixia amazônica, sobre o descaso governamental no trato da Pandemia, sobre a desídia com a vacina e com a vacinação, sobre os mais de 215 mil mortos, entre os quais colegas pastores integrados na denominação e, mais recentemente, sobre o excesso de doçura da dispensa governamental. Também não há nota sobre a desigualdade social, sobre a fome que se avizinha a uma população sem emprego, nem tampouco uma preocupação com o abandono do país por multinacionais que estiveram entre nós por décadas. A vida humana, claramente implicada aqui, se torna um valor menor, revelada numa movimentação denominacional contra quem é a favor do impeachment, ao passo em que é incapaz de questionar o desprezo pela vida do atual governo. Lembro a vocês que seguindo indicadores objetivos, o Brasil foi avaliado internacionalmente como o pior país do mundo no combate, na resposta à pandemia.
Digno de ressalto é a sinergia das notas entre as três denominações citadas no texto. É no mínimo curioso que três grupos do protestantismo histórico, os mesmos que apoiaram a ditadura civil-militar, e que não fazem absolutamente nada em comum, façam ressurgir das cinzas uma unidade em prol de um simulacro da farda. Explico: chamar Bolsonaro de militar é um acinte aos milhares de militares honrados que este país tem (daí o simulacro de farda).
Fato é que as três soltaram notas similares. Como elas mal se falam, a questão é: quem está operando esses líderes e grupos? Essa “coincidência” cronológica, que a História atestará que nunca foi kairológica, é indicativa de um arquitetamento de matiz fundamentalista. Assim sendo, qual organização está por trás disso?
Ao emitirem as notas no melhor padrão “eles não são a gente”, ao se pronunciarem contra quem defende o impeachment, Metodistas, Presbiterianos e Batistas se colocam automaticamente ao lado do atual governo. “Passaram Recibo”. Reitero que a nota não era necessária, porque em nenhum momento a denominação e muito menos a cúpula denominacional foram envolvidas. Ao optarem pelo pronunciamento oficial, por falarem mesmo quando não convidadas, tais igrejas evidenciaram o apoio ao governo que aí está, em nota cujos termos mais parece uma fala para o governo do que para seus membros. A ironia da História é que justamente quando elas, num passado recente, escancararam o apoio a um governo decadente (falo do último General Presidente, João Batista Figueiredo), foi quando o período militar cessou.
Termino esta pequena reflexão com quatro pequenas notas:
- Historicamente os batistas sempre foram mais alinhados a pautas de centro-esquerda. Para você que não sabe, Ernst Troeltsch elogiou os batistas por seus ideais de liberdade e comunidade. Para ele a defesa da igualdade podia ser encontrada entre os batistas. Sim meus caros amantes da teologia, Walter Rauchenbusch não foi um acidente, mas um produto do pensamento batista. No Brasil tivemos o Senador Aurélio Viana pelo PSB e, num passado recente, deputados federais e novamente Senador batistas, em partidos de centro-esquerda. Nos EUA tivemos a marca batista do século XX na figura do Pr. Martin Luther King Jr., cuja luta, inspirada por Jesus, visava promover a justiça e a igualdade. Batistas aliados a extrema-direita, só os que são fundamentalistas.
- Ato contínuo ao protocolamento do pedido de impeachment, a imprensa divulgou que o Governo Bolsonaro passou a cadastrar instituições religiosas para recebimento de verbas governamentais. Parece-me que foi antes das notas serem divulgadas. A separação Igreja-Estado fica aonde mesmo? Será que vai ter nota sobre isso também?
- Na 4ª, dia 27/01, no que parece ser uma churrascaria, o presidente novamente usou do seu vocabulário de baixo calão para se referir aos jornalistas e aos seus opositores. Cá entre nós, se fosse signatário de tal nota, me sentiria profundamente envergonhado. Não sei que Evangelho, senhores líderes, vocês enxergam no atual presidente. Não sei que evangelhos vocês estão lendo. Digo isso com profunda tristeza no meu coração.
- Mais especificamente sobre a nota da CBB, considero paradoxal uma organização que elege um presidente entre seus pares reunidos em assembleia se considerar apolítica. Na verdade, e a experiência comprova isso, ela é política desde as suas vísceras. O que ela deveria ser é apartidária. No entanto, ao emitir um pronunciamento como denominação, em resposta a uma não-citação e discordando de quem condena o governo, ela se partidariza como instituição. Quem não gostou de ter pastor batista assinando o pedido de impeachment, por coerência deveria odiar o partido que a CBB tomou com seu pronunciamento, com uma diferença: os documentos batistas defendem o direito dos primeiros, de cada batista fazer sua opção política, negando-o à instituição.
Finalizando… (agora sim!)… Há alguns dias atrás acordei após um pesadelo perturbador. Sonhei que estava num caminho muito frondoso e florido. As árvores faziam sombra, o vento era agradabilíssimo. Após me distrair, tornei a olhar pra frente. O que vi? Uma densa treva se apossando do caminho. Tão densa que pesava. Assustado acordei, sem entender fiquei. Acho que as coisas começam a aclarar, em termos de compreensão, agora.
Não antevejo coisa boa, e reconheço não ser o único, nem o primeiro nessa prospecção.
Pr. Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek
[Sugiro a leitura do livro: Fundamentalismo Religioso Cristão – Olhares Transdisciplinares – da Editora Kliné – contato@klineeditora.com]