Está em curso no protestantismo brasileiro, quando se pensa em relação ao poder, uma espécie de feudalismo cristão. Alguns líderes se encastelam exercendo influência nas suas imediações, possuindo inclusive ares de suserano. Aliás quanto mais impositivo e postado for o líder, quanto maior for sua audácia em decretar ordens ao divino, tão mais admirado ele se torna. Se no protestantismo há uma iconoclastia, coa-se as imagens mas deixa-se passar a idolatria à pessoa, uma vez transferida para a figura do líder. Mais do que suserano, o líder se tornou uma espécie de demiurgo.
Fato é que essa postura rompe com a humildade, virtude básica e imprescindível para o cristianismo e para o cristão. Nada tão estranho quanto ao espírito do cristianismo quanto esse apego pelo poder, pela posição e pelo palco. Vale a pena lembrar que o cristianismo (ou cristandade, como preferiria Heidegger), nasce numa manjedoura e não num palácio…
É pelo resgate da humildade que sugiro essa reflexão. E quando falo em humildade não abordo o seu estereótipo. A vaidade precisa de estereótipos e se transmuta neles. A humildade não. Aliás qualquer penduricalho que se coloque sobre a humildade a torna descaracterizada. Nesse sentido, destaco que: a) a pobreza pode ser sinal de um tipo de humildade, a financeira, mas não significa humildade cristã. Há muito pobre orgulhoso, com cerviz dura, que resiste a Deus e aos outros; b) a cara de piedade, de auto-comiseração não é sinal de humildade. É de patologia mesmo; c) a voz mansa igualmente não é sinal de humildade. Sob uma voz mansa se escondem muitas vezes corações duros como a pedra. A humildade cristã tem a ver com postura em relação a vida, a Deus, num reconhecimento da finitude pessoal e da necessidade de outros.
Passemos agora a algumas considerações sobre o lugar da humildade cristã.
- A Humildade Cristã é o meio de compreensão da Relevação (Fil.2:6-8)
Auerbach bem asseverou que se Cristo viesse em todo seu esplendor e glória não haveria revelação. Primeiro porque ninguém conseguiria compreender o que seria mostrado. Segundo porque impediria o processo de interpretação e registro do conteúdo revelatório. Ao se humilhar, ao encarnar, Cristo tornou a revelação divina acessível aos homens. Sem humildade não é possível compreender nada a respeito de Deus.
Os umbrais do entendimento humano não conseguem açambarcar a plenitude da Glória de Deus. Da sua Shekinah temos somente emanações, nas experiências espirituais e presença como símbolo salvífico.
- A Humildade Cristã é o meio de compreensão da Palavra (Mt.13:13,23; 5:3)
Há uma caráter universal na mensagem bíblica. Mas como ela pode ser acessível a todos os homens? Mediante a humildade. O intellectus spiritualis só é acessado pelo caminho da humildade. Quer entender a Palavra de Deus? Seja humilde. E humilde aqui se traduz num coração pronto, como uma terra fofa pronta para receber a semente.
- A Humildade Cristã é o meio para a unidade da Igreja (Col.3:12; Rm.12:16; I Pe.3:8)
Segundo o dicionário, humildade é “a virtude que nos dá a dimensão de nossa fraqueza”. Ao nos enxergarmos como fracos, reconhecemos a necessidade de ajuda, de andar com o outro, do apoio do outro. Por isso que o autor de Hebreus dizia que não era bom abandonar a congregação (Heb.10:25). Há momentos que essa teia chamada igreja será o recurso que Deus usará para nos segurar, nos sustentar, nos suportar.
Pela humildade eu posso caminhar junto. É sobre ela que se sedimenta o caro conceito da unidade. Ora, se cada um se bastasse, se cada pequeno grupo se bastasse, para que a Igreja? Mas não, a Igreja está construída num aspecto humano, sobre uma necessidade que é a nossa fraqueza.
- A Humildade Cristã é o canal para Salvação (Mt.19:23-24)
Por que o camelo passar pelo fundo da agulha? Por que a dificuldade do rico em entrar no Reino de Deus? São figuras que apontam para a necessidade de humildade. O camelo porque a agulha era um limitador de altura na entrada que obrigava o camelo a se ajoelhar, mesmo carregado. E o rico porque se bastava…
A condição primeira para salvação é humildade. Era o que faltava ao jovem rico. Ele era o retrato da autopretensão. O que mais preciso fazer para ser salvo? – perguntava. Ora, a resposta era nada (porque a salvação fora feita por Deus) e tudo (precisava abdicar de usa posição pretensiosa). Sem humildade não reconhecemos a necessidade de um salvador. Sem humildade não abdicamos dessa postura moderna de tentar resolver tudo, inclusive de ser capaz de efetivar uma auto-salvação. Sem humildade não há descanso em Deus.
Conclusão:
Não estamos aqui para sermos senhores, nem tampouco orgulhosos. Estamos aqui por conta da humildade. E saiba que uma pessoa que se afasta da Igreja tem na perda da humildade um de seus motivos fundantes.
Você “pode” ser maduro espiritualmente para não precisar de igreja; mesmo assim e especialmente nesse caso, a Igreja precisará de você, missão esta que precisa ser acolhida com humildade. Pense nisso.
Pr.Sergio Dusilek
sdusilek@gmail.com