Não sei quanto a você, mas tenho dificuldade de dizer que não estou fazendo nada, mesmo quando, por exemplo, de folga ou férias. Parece um insulto para essa sociedade transloucada na qual vivemos admitir que alguém consiga se organizar para ter um tempo para si mesmo, para cuidar do seu jardim, da sua alma, fazendo o que gosta. Ao que tudo indica viver é atender demandas dos outros, é ficar 24hs disponível, como uma emergência hospitalar (só que funcionando…). Essa correria agride a nossa humanidade, a nossa fragilidade que pede por momentos de descanso. Para alguém ser humano é preciso que essa pessoa tenha algum tempo livre. Somente os seres automatizados, os robôs, não precisam de um tempo livre.
Parte desse problema foi construído por nós, protestantes. Max Weber destacou como a ética protestante, sua ascese, seu respeito às autoridades, ao que lhe era alheio, contribuiu para o progresso do Capitalismo. Não foi só a Burguesia que pavimentou a estrada para a eclosão da Reforma. A Reforma também construiu a pista de volta… era uma via de mão dupla. Voltaire em sua 6ª Carta Inglesa destaca a severidade com que os presbiterianos escoceses se portavam diante da vida. O pensador francês ao se referir ao presbiteriano escocês diz “este simula afetadamente um andar grave, um ar zangado, um enorme chapéu, um longo manto sobre o casaco curto, prega pelo nariz e chama de prostituta da Babilônia toda igreja cujos eclesiásticos estão bem contentes por terem cinqüenta mil libras de renda, e cujo povo é muito bom por suportá-los e ainda chamá-los de Monsenhor, Vossa Grandeza, Vossa Eminência” (VOLTAIRE, 1973, p.17). Ele continua:
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possuidores de algumas igrejas na Inglaterra, esses senhores introduziram na região a moda do ar grave e severo. Deve-se a eles a santificação do domingo nos três reinos: nesse dia é proibido trabalhar e divertir-se, portanto a severidade é dupla comparada à da Igreja Católica. Nada de ópera, nem de comédia, nem concertos aos domingos em Londres. Até mesmo o baralho é expressamente proibido, e só as pessoas de qualidade – chamadas gente honesta – jogam nesse dia. O resto da nação vai ao sermão, ao botequim e ao bordel. [VOLTAIRE, 6ª Carta Filosófica. São Paulo: Abril Cultural, 1973. p.17. [Coleção Os Pensadores]
Parte desse problema de não saber o que fazer no tempo livre, ou melhor, de não poder fazer nada nele, se deve a ação do puritanismo inglês a qual Voltaire fotografou no calvinismo escocês, isto é, nos presbiterianos de lá. Muito do reforço da idéia de que no domingo o tempo só podia ser dedicado ao Senhor ou a olhar para o teto vem dessa influência. Ser crente se tornara sinônimo de sisudez. Sem espaço para o lúdico, para o ócio, para a distração.
É no tempo livre que praticamos nossos hobbies, tão importantes para oxigenarem a nossa mente. Fazer algo que gosta, ter uma distração para desconectar a mente é vital numa cultura que não consegue mais dormir. Distrair é ensinar a mente a descansar; bom, pelo menos aquela parte do nosso entendimento que gera toda nossa ansiedade…
É no tempo livre que grandes idéias surgem. Os gregos valorizavam o ócio como espaço criativo. Empacou numa sinuca de bico? Uma reunião travou? Talvez seja melhor parar e relaxar. Normalmente no meio da distração vem a idéia. Grandes invenções nascem muitas vezes quase sem querer… um problema cuja solução é vislumbrada por outro ângulo. Prisma esse só alcançado pelo ócio, pelo tempo livre.
É no tempo livre que podemos dar um parada para termos nossos “insights” e encontros com o divino. Algumas e especiais falas do Senhor, algumas mostras ou clarificações do texto bíblico nós vamos ter nesse contato íntimo do Espírito Santo com nosso espírito, em momentos que sopram sobre nós a brisa da tranqüilidade, do descanso. Por vezes nessas horas Deus trará a sua mente um nome para orar ou lembrará uma palavra a qual voce deve se agarrar.
O problema do tempo livre é que ele é tão gostoso que as vezes achamos que dá para ficar só nele. Ledo engano. O espichamento do tempo livre resulta na preguiça. E Salomão já falava muitas coisas a respeito do efeito devastador que ela tem (Pv.21:25, 22:13; 26:16). O tempo livre é próprio para também usufruirmos um pouco da preguiça (quem não a tem? Especialmente no inverno, com chuva, frio e tendo que levantar cedo da cama…). Contudo, ela não pode invadir o restante de nossa vida. Não seja desleixado com sua casa; não seja desleixado com seus relacionamentos; não seja desleixado com seu trabalho; não seja desleixado com os dons que Deus lhe confiou. Antes porém, faça tudo conforme as suas próprias forças (Ec.9:10a).
Mesmo após sairmos de um período que para muitos foram de férias, estamos diante de uma nova oportunidade de descanso: o feriado do Carnaval. Conquanto alguns use desse tempo para entrarem em colapso físico, tamanha exaustão, e outros para entrarem em colapso espiritual tamanha a condenação que exercem nesse período sobre os ímpios, quero sugerir a você que pense nesse feriado como descanso. Se for fazer atividade física, jogar “uma bola”, pedalar, que o faça sem demasia. Que voce relaxe a mente, lendo um bom livro, meditando na Palavra, curtindo a família, olhando o mar… Que você desfrute desse tempo para falar com Deus e principalmente, para ouvi-Lo.
E lembrem-se:
“Porque vós, irmãos, fostes chamados à liberdade. Mas não useis da liberdade para dar ocasião à carne, antes pelo amor servi-vos uns aos outros.” [Gálatas 5:13]
Pr.Sergio Dusilek – sdusilek@gmail.com