Historicamente falando, os batistas surgem como grupo religioso a partir do movimento separatista inglês. À época, diante de uma efervescência pelo estudo da Bíblia, de um desejo de santidade na vida, ambos alimentados pelo movimento puritano; e diante de uma reforma, a anglicana, voltada mais para atender os interesses do rei, os batistas debaixo da perseguição religiosa na Ilha, rompem com a igreja estatal surgindo primeiramente na Holanda. Separaram-se da igreja inglesa porque entenderam que havia divergências profundas, inconciliáveis. Como herdeiros da reforma (os batistas não são uma igreja reformada), e sob influência de um espírito da época (Hegel) que foi o proto-liberalismo inglês, os batistas aparecem profundamente identificados com o conceito de liberdade.
Esta liberdade pode ser vista em alguns pontos principais que norteiam os princípios que adotamos e que permeiam a nossa prática religiosa: a) o livre-exame das Escrituras, que no nosso meio é reforçado pelo incentivo à uma sadia prática devocional; b) a autonomia da igreja local – a liberdade atingindo o modo de ser da Igreja, que implica na sua cooperação com as demais igrejas e com a denominação, bem como pela sua separação do Estado; c) a liberdade para aceitar, acolher a mensagem da salvação, princípio este que se traduz na prática pastoral da pregação de sermões evangelísticos nos cultos de domingo à noite; d) o livre acesso a Deus, na defesa da reformada bandeira do sacerdócio universal dos crentes. Os batistas por esta razão defendem a liberdade individual não compactuando com qualquer forma de ditadura. Não por outra razão ficamos consternados ao saber que o poder estatal de Mianmar, hoje composto por militares, foi o culpado último do assassinato de nosso colega Cung Biak Hum.
Penso que desta histórica e genética junção entre liberdade e separatismo, vem nosso intestino flerte, como batistas, por movimentos de ruptura. Ao longo de nossa história tivemos algumas divisões maiores e muitas pequenas saídas. Lideranças que passaram a ter uma compreensão diversa da que se faz presente em pontos cardeais da declaração doutrinária e dos princípios batistas, saíram do nosso meio para iniciarem outros ministérios. Um exemplo dessa autodenúncia foi o Pr. Enéas Tognini, que por decisão pessoal, consoante aos documentos da igreja que pastoreou, resolve renunciar à liderança daquela igreja e iniciar a que seria conhecida como Igreja Batista do Povo. Note bem: liberdade de ter outro entendimento que resultou no movimento de saída, de separação. O separatismo como consequência da liberdade de consciência. Conquanto indesejado, por vezes doído, esse separatismo é uma possibilidade real no meio batista.
A questão complica um pouco quando vemos batistas apregoando o separatismo como instrumento inquisitório. Normalmente os que assim fazem se percebem como defensores maiores do corpus batista. Ao postularem esse posto acabam criando uma instância totalmente estranha ao ethos batista que é a do magistério teológico. Em suma: no afã de defenderem uma linha (entre as muitas que existem no meio batista, decorrência natural da liberdade), acabam deixando de ser autenticamente batista. É a romanização dos mais radicais anticatólicos.
Para estes, diante de uma discordância, a solução aventada é a da expulsão do outro, da porta de saída da denominação. Ora, antes de tal porta ser oferecida, é preciso ratificar se a incômoda posição e pensamento deste outro líder distancia-se ou aproxima-se da alma batista. Isto porque por vezes as instituições e percepções dos líderes que as compõem podem se distanciar do propósito original de um grupo. Nessas horas, por mais paradoxal que pareça, no divergente é que encontramos o chamado para a convergência. Ele nos convida a voltarmos aos trilhos, a retomarmos do ponto onde começou esse estranhamento. Ele fala como um profeta institucional; como tal, ama profundamente a instituição a ponto de convidá-la a reencontrar-se consigo mesma.
Quando um batista oferece o caminho separatista para outro que adota uma postura divergente justamente por defender o que melhor representa o coração da denominação, nós temos um sério problema. Primeiro porque quem assim o faz atesta não conhecer os princípios batistas. Segundo porque alguém que diante de uma divergência já caminha para o expurgo do outro, possui um alma mais afeita a catequese romana “trentina” do que batista, propriamente dita. Por fim, porque falta o caminho cristão e bíblico que sempre aponta para uma longa jornada da reconciliação; nele, a saída é porta para os inconversos, não para os irmãos.
Finalizo este pequeno texto dizendo que nenhuma separação é agradável. Elas marcam quem passa por elas. Aos que ficam com o ranço e o sentimento de prepotência; aos que saem com a leveza e o estigma. No caso batista, o separatismo marcou tão profundamente sua gênese que a defesa da liberdade ecoou para suas formas institucionais. É para esta liberdade que aponto. É nesta liberdade que reside meu amor pela causa batista; mesmo porque o amor só pode nascer quando gestado no útero da liberdade. Meu mais sincero desejo é que isso seja preservado entre nós.
Pr. Sérgio Dusilek
sdusilek@gmail.com