Imagine um político corrupto sendo elogiado pelo Senhor por agir com sagacidade (v.8). Roubou mas foi elogiado… como isso bate em você? Será que Jesus realmente está ensinando um padrão ético do “mal menor”? Será que ele veria com bons olhos uma ação de roubar os ricos para dar aos menos favorecidos? Teria Jesus se tornado pragmático? Seria Ele o senhor da parábola?
Estes questionamentos aparecem porque estamos diante de uma das parábolas mais difíceis de compreensão em toda a Bíblia. Ela é uma parábola no seu sentido mais estrito e é uma daquelas poucas ligadas ao evangelho de Lucas. A questão é tão séria que Juliano, o Apóstata, usou esta parábola para afirmar a inferioridade da fé cristã e de Jesus Cristo.
1) As soluções inadequadas que apareceram até agora…
Estar diante de um texto tão desafiador fez com que muitos tentassem harmonizá-lo. Para você leitor ter uma idéia, alguns quiseram, diante do elogio do senhor ao mordomo infiel, “fidelizar” este último. Disseram por exemplo que o mordomo que funcionava como um agenciador das terras do seu senhor, com autoridade para negociar, quando subscreve valores mais baixos do que os contratados estaria beneficiando aquele fazendeiro, porque o contrato além de estar com juros (com usura que era condenável por Deus – Dt.15:7,8), tinha também um valor de comissionamento que cabia ao “mordomo”. Era comum já nessa época o uso de “testas de ferro”, gente que emprestava o nome para negócios escusos (ás vezes sem saber), representando algum patrão/mandante. O administrador da fazenda era esse homem autorizado a ganhar dinheiro para o patrão espoliando os arrendatários, sabendo que caso houvesse algum problema, o patrão sairia livre. Por isso o Senhor teria louvado a fidelidade do mordomo a Deus, o que resultou num patrão abençoado… será?
Outros dizem que o senhor da parábola nada tem haver com Cristo. Se não tem, não há qualquer embaraço na fala do senhor. Mas Joaquim Jeremias indaga com razão que se esse senhor da parábola não é o Senhor da História, ele faria tal recomendação, daria aquela sanção a quem o acabara de dar mais prejuízo? Parece que não. Além do mais como explicar a identificação com Deus quem vem sendo feita no cap.15 para logo depois dizer que o senhor da parábola não é o Senhor? Quem faz essa distinção esquece-se que em Lucas kurios (grego – Senhor) é usado para Deus e Jesus somente.
Pensando assim o foco da parábola seria tão somente um ensino de Jesus sobre como lidar com as riquezas. De fato o Mestre pontua esse assunto na parábola. Relembra no verso 9 que muitas vezes o dinheiro é adquirido de modo indigno. O contexto permite ler assim. Igualmente permite trabalhar a noção de fidelidade que aqui deve ser entendida não só pelo não desprezo das oportunidades e recursos que sustentam o povo de Deus, mas também pelo fato de que o Senhor tomará contas da administração de cada um. Não dá para administrar o que é dos outros se não conseguimos administrar o que nos foi confiado (I Cr.29:14). Não dá para Deus confiar as riquezas eternas (muito) para aqueles que foram infiéis no pouco, na administração de bens durante a vida aqui. Gente passou a vida aplicando e gerenciando riquezas sem pensar na eternidade (v.9).
Relaxe! Jesus não está dizendo aqui que vamos “residir” com amigos na eternidade, porque trouxemo-los para nós através de dinheiro. No entanto Ele quer dizer que os recursos que chegam em nossas mãos deveriam ser aplicados segundo a ótica do Reino que é a visão da eternidade. Mas seria só isso?
Por fim há uma última idéia que assevera que Jesus não teria elogiado a trapaça daquele mordomo, mas sim sua astúcia. Sua preocupação com o futuro, seu modo firme de agir num momento crítico o teria dignificado. Um homem injusto se dignificando… nada mais em desacordo com a mensagem bíblica (Sal.32;51;Rm.3:23, 6:23). De fato Jesus não estava isentando aquele homem dos meios que ele usara para atingir seu fim.
Por isso quero convidá-lo a fazer uma leitura impregnada do combustível do Reino de Deus que é a Graça de Jesus. Em assim fazendo, vamos tirar algumas lições dessa parábola que serão abençoadoras para a nossa vida.
2) Quando se pensa em Reino, o mordomo tipifica a vida de cada ser humano
A parábola é clara ao mostrar que aquele mordomo tinha tudo para dar certo. Tinha espaço para desenvolver seu trabalho (a ponto do senhor só conversar com ele após ouvir uma denúncia – v.1), era conhecido dos arrendatários e tido como fiel representante do dono da fazenda. Contudo em algum momento de sua trajetória ele se tornara escravo também das riquezas. Alguém que defrauda o patrão normalmente o faz por conta da motivação de ter o mesmo padrão de vida que ele. Por isso Jesus afirma que ninguém pode servir a dois senhores ao mesmo tempo (v.13)…
Fato é que muitos perdem a fidelidade justamente nessa hora de confronto com o conforto que as riquezas podem oferecer. E essa infidelidade do mordomo mostra, segundo bem disse o Pr.Caio Fábio, que todo gerenciamento que fazemos nesta vida é imperfeito. Não só no tocante a recursos financeiros, mas sobretudo a relacionamentos. Isso porque todos os relacionamentos neste mundo acabam se transformando em encontro de contas. O que “perdemos” ou “ganhamos” em cada um.
Interessante que a palavra “denunciar” no v.1 é diabletê (grego – calúnia). Essa palavra tem sua origem no grego diábolos (caluniador), da onde vem o nome do nosso Inimigo – o Diabo. O acusador sempre fará denúncias sobre essa infidelidade que os servos do Senhor manifestam.
Alguns são infiéis na visão de mordomia. Administram os bens do Senhor, o que Ele permite que se tenha, como se fossem seus. Outros são infiéis na aplicação dos recursos (dízimos e ofertas), jamais dando primazia ao Reino, mas sim destinando a ele, quando muito, as sobras. Outros são infiéis nos talentos e dons que Deus dispensou sobre sua vida. Ao invés de empregarem os dons na Obra do Senhor, acabam somente usando em benefício próprio. Por que aquele mordomo da parábola não manifestou sempre aquela disposição? Por que só na hora do acerto de contas com seu senhor é que ele resolve se mexer?
Reconhecer essa incapacidade crônica de ser absolutamente fiel jamais cometendo qualquer deslize, pecado perante o Senhor é o primeiro passo para ser alvo da Graça.
3) Para o Reino conta não a nossa perfeição, mas o nosso melhor
O senhor daquele mordomo assim que verifica a denúncia, já chega despedindo-o. A expressão para “prestar contas da tua administração”(v.2), mostra uma ordem vigorosa e uma demissão imediata. Era o prelúdio do término de uma relação. A partir daquele momento aquele administrador não tinha mais autorização para falar em nome do dono.
Mesmo assim ele age. Interessante o paralelo existente entre os versos 4 e 9. E nessa ação ele defrauda financeiramente ainda mais seu senhor. Só que esse era o melhor que ele podia fazer. Nesse sentido, o agente não fez um juízo impróprio a seu respeito (Rm.12:3-5). Ele pensou sobriamente sobre si; e o fez de modo autêntico. Sua ação visava um aproveitamento pessoal, mas também trazia um benefício moral para o dono das terras. Se o fazendeiro não desautorizasse a ação daquele “ex-mordomo”, ele seria reconhecido pela sua grande generosidade, marca distintiva de um nobre. Ele então procura fazer com que aqueles trabalhadores que ocupavam a terra do seu senhor recolham o valor que deviam ao senhor.
Comentando esse trecho da parábola, o Pr.Caio Fábio afirmou “quem não tem tudo para dar a Deus, dá tudo o que tem”. Deus não espera portanto nossa perfeição, mas o nosso melhor. Será que você tem dado o seu melhor para Deus e no Reino de Deus?
4) No Reino vale a misericórdia, não as riquezas.
Aqui chegamos ao clímax da revelação do texto sagrado. Jesus conta essa parábola aos discípulos para que eles evitassem um comportamento réprobo dos fariseus: a avareza (v.14). Para esse grupo, ser rico era sinal de benção divina e, portanto, de caminho seguro até o “Seio de Abraão” (v.22). Contrapondo a isso Jesus ratifica que alguém preso ao dinheiro não entrará no céu porque já escolheu servir a outro senhor. As riquezas recebem o nome de uma divindade (entidade) chamada Mamom e representam um forte poder desvirtuador do ser humano. Exemplo disso é que no v.13, “devotará” pode ser traduzido como apegar-se, agarrar-se a alguém. Gente que se agarra a outra divindade não pode fazer parte do Reino de Deus (v.13). Não serve a Deus porque não serve para Deus.
O clímax fala da única opção que aquele homem tinha: confiar na misericórdia do seu senhor. Ele precisou confiar tudo à misericórdia infalível do seu senhor, o qual era duro no acerto de contas, mas era de igual modo generoso. Nesse sentido o louvor de Jesus não seria a sagacidade daquele agente, um homem que agiria pensando no futuro. A aprovação do Mestre estava no olhar do passado: aquele mordomo conhecia profundamente a misericórdia do seu senhor. E toda vez que um mordomo confia totalmente na misericórdia do Senhor, Ele resolve pagar o preço para salvar a vida do administrador.
Aqui a parábola se liga a história da redenção humana. Jesus por amor e misericórdia pagou o preço na cruz do calvário para salvar cada um de nós, mordomos que pela sua fidelidade, jamais receberíamos aprovação do Senhor. Mas experimenta esse amor que confia totalmente na misericórdia de Deus.
CONCLUSAO
O Reino de Deus não se constrói com riquezas. No Reino e para o Reino, os recursos não importam mais do que a misericórdia, do que o amor. É nessa parábola contada por Cristo que fala de um mordomo desonesto que confiou na misericórdia do seu senhor para solucionar a crise, é que aprendemos essa lição. Verdade é que somente na hora que ele descobre que as riquezas não poderiam salvá-lo uma vez que elas não são dotadas de amor, é que ele se voltou para o seu senhor. Foi salvo pela misericórdia do Senhor, e não pela sua sagacidade. Do mesmo modo, uma pessoa que já conheceu o amor de Deus pode muito bem, numa hora de crise, confiar totalmente nas misericórdias do Senhor as quais se renovam cada manhã.