Novos Caminhos, Velhos Trilhos

maio 27, 2021

SELÁ (PAUSA. SILÊNCIO).

Filed under: Sem categoria — sdusilek @ 2:47 pm

Pr. Sérgio Dusilek.

 
Mas Deus remirá a minha alma do poder da sepultura, pois me receberá. (Selá.) Salmo 49.15.


Pausa. Silêncio. A morte impõe esse silêncio, essa falta da vontade de falar. As palavras, outrora prolíferas, agora saem liquefeitas nas lágrimas. Não é mais a voz; são as lágrimas. 


Pausa. Silêncio. Esperança de que o som da pessoa amada, o qual não mais ouvimos aqui, será ouvido outra vez. Se a morte silencia quem amamos, Deus que nos ama não permite o silêncio eterno. Em Cristo, vamos voltar a nos ver. A pausa, o silêncio impingido quando da nossa morte, vai ser tragado pelo santo barulho, pelas vozes daqueles que nos aguardam no céu de Deus.


Pausa. Silêncio. Diante do Autor da Vida, que nos espera além vida, o que dizer? Palavras? Não. Silêncio. Estupefatos, maravilhados… tanta coisa para dizer… mas o que falar quando o inefável nos rouba as palavras? Silêncio diante de um Jesus que nos receberá de braços abertos.


Pausa. Silêncio. Se nas festas vemos os outros, nos velórios nos enxergamos. Paramos para nos ver. Na pausa que a morte de alguém que amamos faz na nossa vida (sim, porque nossa agenda é interrompida) paramos silentes. É no silêncio que ouvimos a nossa alma. É no silêncio que podemos escutar uma outra voz que não só a da nossa consciência: a doce e mansa voz de Deus.


Pausa. Silêncio. Você ouve no seu coração, na sua interioridade de que vc é filho/filha amada de Deus? Porque estes que ouvem, ecoam a certeza do salmista de, uma vez alcançados pela morte, não serão esquecidos na sepultura.


Pausa. Silêncio. Quando a última pausa vier e sua voz aqui for silenciada, para onde você vai? Há um local de encontro e reencontros nos esperando.


Pausa. Silêncio. 


Agora interrompidas pela gratidão. Muito obrigado Deus pela vida de Márcia Martins. #RIP

maio 12, 2021

BANHO DE ESTERCO

Filed under: Sem categoria — sdusilek @ 3:57 pm

“Banho de Esterco”.

Pr. Sérgio Dusilek

Por vezes a religião protagoniza cenas inusitadas. Excentricidades, embora não sejam desejáveis, não são incomuns à esfera religiosa. Não por outro motivo quando a excentricidade ganha publicidade, o desconforto se torna abrangente.

Recentemente na Índia, religiosos foram instados a passarem esterco bovino no corpo, pois seria uma forma de prevenção ao contágio da Covid-19. Excetuando-se o fato de que o mal cheiro pode criar o distanciamento social, o que se aplica aos asseados, não há qualquer razoabilidade em tal proposição. De fato, em momentos de perplexidade social diante de situações-limite (Karl Jaspers) como as muitas mortes oriundas de uma pandemia, a conexão com o religioso se dá por duas vias: a primeira, pelo purgamento, pela consciência má que se apresenta culpada e que numa tentativa de explicação, oferece a noção karmática como sentido para o sofrimento impingido pela morte e pelo medo dela. O caminho aqui é a busca do agrado, da reconciliação com o divino, que faria com que a peste por ele outrora iniciada (nesta compreensão), pudesse vir a termo; a segunda pela abertura para o irracional, elemento presente na experiência religiosa como bem assinalou Rudolf Otto, e que em nome desse aspecto se aceita e se entulha um pouco de tudo. Até rituais que flertam com o absurdo, categoria por sinal bem diferente e distante do irracional, são aceitos, normalizados em nome do “mistério” e viabilizado pelo medo.

O que nos interessa nesse caso específico, ainda que possamos criticar o absurdo na religião, é seu aspecto público e sua relação com o ideário fundamentalista. O fundamentalismo sofre desse mal: ele tem vocação para o espaço público; somente se realiza no público, nunca se contenta com o privado. Seu objetivo é arrebanhar, influenciar, ganhar adeptos e, porque não dizer, de impor um comportamento aos outros. Paradoxalmente, o mesmo fundamentalista que apregoa a liberdade não como um bem inalienável do ser humano (John Locke), mas como um bem maior que a vida (a liberdade como ente(!!!???)), uma vez investido de poder, impõe seu querer, seu crer e sua agenda para todos os demais.

A prática fundamentalista não é a do quarto. Ela se efetiva na praça, depende da praça para viver. Ao se caminhar para a praça ela sai do campo da espiritualidade e vai para o campo da polis, da política. Se fosse a execução de um número, de um rito fechado em si, não teria maiores problemas. No entanto, o fundamentalismo, com sua verve negacionista e com sua extensa colcha que cobre e encobre absurdos, tudo em nome de Deus, acaba colocando a vida dos seus fiéis e daqueles que não possuem o mesmo credo, a mesma fé, em risco. O fundamentalismo não assassina só a vitalidade da fé em nome da preservação da fé; não só constrói mausoléus sobre os espaços religiosos; ele mata.

Perceba que se um grupo hinduísta absurdamente chegou à conclusão que esterco bovino é mais forte e eficiente que o campo de força de Wakanda, e que cada um ministrasse esse placebo espiritual em sua individualidade, seria lamentável, mas menos danoso. Ocorre que a exposição pública de um absurdo coloca em risco outros, ao oferecer uma certa blindagem espiritual contra o vírus, seguindo a lógica de que o invisível se combate com o invisível (ao mesmo tempo que se nega a diferença de dimensões envolvidas aqui).

Ocorre que esse caso do hinduísmo não está restrito àquela religião. No meio do movimento evangélico brasileiro há outros exemplos, não tão mal cheirosos é verdade, de absurdos em nome da fé. Não são nem um, nem dois que defendem a tese que Deus blinda os fiéis e que o Espírito Santo não permitirá que o vírus toque em alguém que pertence a Ele. De igual modo não são poucos os que em nome da garantia do céu, desprezam os cuidados com esta vida, faltando com a mordomia desse bem que Deus nos confiou. Tais pessoas, adotam uma postura fatalista para o vírus, mas não para o tiroteio. Os mesmos que dizem que se pegar o vírus é porque Deus o quis, são os mesmos que em pleno tiroteio se escondem para que a bala não os ache (e fazem muito bem nesse sentido). Por esta razão, sujeitam-se e também desconsideram o cuidado com seu semelhante, fomentando todo tipo de contágio.

O que mostramos até agora? O modo como a religião não deve se relacionar com a política, instrumentalizando o espaço público da polis para imposição de seus valores e de uma cosmovisão fundamentalista, cujo termo, por sinal, não parece ser bem aplicado. Afinal nada no fundamentalismo é cósmico, a não ser seu desejo pelo poder.

A religião não deve se furtar ao espaço público. É nele que somos instados a dar bom testemunho. No entanto é também nele que devemos exercer a voz profética, denunciar desmandos, desvios, conluios, injustiças e anunciar a esperança que vem do Senhor Jesus. Nunca uma relação de subserviência, de apoio; sempre uma relação crítica, exercendo o papel de consciência do Estado. Logicamente que jamais exercendo qualquer papel cerceador, inquisitivo e muito menos impositivo sobre outrem.

A religião não deve ter quarto no palácio; também não pode negar sua existência. Ela precisa fazer ouvir a voz da justiça nos cômodos do palácio. Uma proximidade que não se traduza em conivência.

Termino dizendo que o banho de esterco é um símbolo, uma figura potente do que o fundamentalismo produz na religião. Não só o patente absurdo, mas sobretudo a repulsa que ele causa aos de fora. Já não bastasse o próprio excremento que por vezes a religião enseja a produção, ela termina por se esfregar naquilo que vem do campo e do envolvimento acrítico com a política. Sem a higienização do autoexame, a religião especialmente de matriz cristã, esfrega em seu corpo o esterco que lhe é alheio, por ser bovino e não ovino. Ao fazê-lo, a religião como que infectada pelo Corona vírus, sintomaticamente demonstra sua anosmia. E esquece o motivo de sua crescente rejeição, ao trazer para o Corpo o que deveria ser mantido como adubo para a terra.

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