O CUBÍCULO DO SOFRIMENTO
O sofrimento por si já produz uma certa compressão naqueles que o experimentam. Daí a angústia que ele provoca. Como se não bastasse esse tipo de compressão, há uma outra oriunda da matriz religiosa/teológica. Ao invés da teologia abrir as comportas do céu para que essa compressão seja rompida pelo Amor de Deus e para que a dor seja lavada e levada pelo rio da vida celestial, ela ao invés de oferecer um largo espaço para o sofrimento, coloca a pessoa comprimida num cubículo. E pior: chama isso de fé.
Alguns exemplos desse encaminhamento para o cubículo advém de expressões que defendem o não questionamento a Deus na hora do sofrimento (como se Jó não o tivesse feito); a defesa de uma postura de fé que nunca duvida (como se a ambigüidade humana pudesse ser contida por uma confissão positiva e como se nossas questões fossem diminuir ou mesmo arranhar a deidade divina); a noção de que com uma mão Deus traz e carrega o sofrimento e com outra Ele manda o Consolo (como se Deus fosse bipartite e tivesse dois diferentes centros de comando, numa personificação do yin e yang do Taoísmo… seria um Deus que não possui unidade interna, destemperado e um tanto quanto insano); a afirmação de uma esperança que nunca acabará, quando na verdade ela se encerra, segundo o Novo Testamento, no encontro com Jesus na Eternidade. Aliás na Eternidade não só ficará patenteado que o Amor é o maior, mas também é o único que permanecerá da porta pra dentro do céu. A esperança serve para nos manter vivos e conectados com esse auspicioso dia de nossa entrada para a eternidade; a fé nos levará a porta do céu e nos fará entrar nele, contudo nós a despiremos ali mesmo; o que ficará conosco para sempre é o amor. Por isso é que devemos “amar as pessoas como se não houvesse amanhã”.
Não meus queridos! Não condenemos as pessoas que sofrem, comprimidas que estão pela dor, ao despertar de um sentimento claustrofóbico pelo cubículo de nossa teologia! Nem tampouco elogiemos essa compreensão que outros têm pois, afinal, não é um exemplo de fé, mas de uma distorção grave do que a melhor teologia dos Evangelhos traz para nós.
Nos Evangelhos Jesus patenteia que Deus não gosta do sofrimento. Ele afirma que Deus é Bom, e quem é moralmente e inteiramente bom não pode fazer o mal. Ele mostra que Deus chora com a morte, pois não era para ser assim. Não foi isso que aconteceu em João 11:35 quando Jesus viu o sofrimento das irmãs de Lázaro e do povo que ali estava? Não seria assim que deveríamos reler o Salmo 116:15 que fala de uma morte “preciosa” dos santos de Deus, mas que na melhor tradução deveria ser “custosa”? Deus não sabe o custo do sofrimento que a morte traz para as pessoas, quanto mais aquele que foi santo e reluziu nesse mundo? Deus não sabe como é custoso, difícil ter verdadeiros luzeiros no mundo?
Não meus queridos! Não é bom colocar pessoas que sofrem num cubículo. Nem tampouco é apropriado louvar quem assim se expressa. As pessoas ao sofrerem tem de ser convidadas a se sentirem a vontade para se expressarem. A nossa teologia não deveria ser a da contenção (“seja forte!???”), mas a da humanidade. Deveríamos mirar o exemplo de Davi em I Samuel 30 e não fabricar robôs da fé, que mesmo dilacerados por dentro, exibem uma “firmeza” por fora. Nós, sim nós os que pregamos a vida e vinda de Jesus deveríamos aceitar e estimular o choro. Mesmo porque o texto bíblico afirma que “Deus enxugará de nossos olhos toda lágrima” e isso implica em: a) que o único que talvez possa não chorar na hora da dor seja Deus, embora a vida de Jesus me mostre um Deus profundamente empático, o que me leva a pensar que talvez Ele chore conosco; b) que para ele as lágrimas, as expressões que emergem da alma na hora da dor (sejam líquidas ou verbais), são plenamente aceitáveis e esperadas (quiçá desejáveis); c) que ao darmos vazão ao nosso sofrimento, ao simplesmente sermos autênticos, experimentamos o toque de Deus em nós. Ou seja, quanto mais choramos mais Deus toca na face da nossa alma para enxugar nossos olhos, para ministrar a confiança de que Ele estará conosco e para nos acalentar de que se o motivo do sofrer talvez nunca passe, a intensidade dele, a compressão que ele provoca, esta passará.
Termino convidando você a ter a coragem de sair desse cubículo teológico no qual nem cabe a unha de Deus e que perpassa o movimento evangélico brasileiro. Cubículo que retira das pessoas a sua condição humana não permitindo a elas exalarem sua dor e incentivando a drenagem da energia emocional com produções de uma altivez “fake”. Há hora se alegrar e há hora de prantear; mas não há hora para ser o que não é (Ec.3:1-12).
Rompa com essa idéia, até mesmo porque o exemplo de Jesus lhe autoriza a fazê-lo. Amplie sua visão sobre Deus e você verá que Ele se aproxima na hora do nosso sofrimento, pois o sofrer embora seja da vida, não é “kármico”. E que Ele console sua vida, com Sua presença e com Seu toque, enxugando toda lágrima que você tiver.
Pr.Sergio Dusilek
sdusilek@gmail.com