Novos Caminhos, Velhos Trilhos

junho 21, 2016

O CUBÍCULO DO SOFRIMENTO

Filed under: Sem categoria — sdusilek @ 11:09 am

O CUBÍCULO DO SOFRIMENTO

O sofrimento por si já produz uma certa compressão naqueles que o experimentam. Daí a angústia que ele provoca. Como se não bastasse esse tipo de compressão, há uma outra oriunda da matriz religiosa/teológica. Ao invés da teologia abrir as comportas do céu para que essa compressão seja rompida pelo Amor de Deus e para que a dor seja lavada e levada pelo rio da vida celestial, ela ao invés de oferecer um largo espaço para o sofrimento, coloca a pessoa comprimida num cubículo. E pior: chama isso de fé.

Alguns exemplos desse encaminhamento para o cubículo advém de expressões que defendem o não questionamento a Deus na hora do sofrimento (como se Jó não o tivesse feito); a defesa de uma postura de fé que nunca duvida (como se a ambigüidade humana pudesse ser contida por uma confissão positiva e como se nossas questões fossem diminuir ou mesmo arranhar a deidade divina); a noção de que com uma mão Deus traz e carrega o sofrimento e com outra Ele manda o Consolo (como se Deus fosse bipartite e tivesse dois diferentes centros de comando, numa personificação do yin e yang do Taoísmo… seria um Deus que não possui unidade interna, destemperado e um tanto quanto insano); a afirmação de uma esperança que nunca acabará, quando na verdade ela se encerra, segundo o Novo Testamento, no encontro com Jesus na Eternidade. Aliás na Eternidade não só ficará patenteado que o Amor é o maior, mas também é o único que permanecerá da porta pra dentro do céu. A esperança serve para nos manter vivos e conectados com esse auspicioso dia de nossa entrada para a eternidade; a fé nos levará a porta do céu e nos fará entrar nele, contudo nós a despiremos ali mesmo; o que ficará conosco para sempre é o amor. Por isso é que devemos “amar as pessoas como se não houvesse amanhã”.

Não meus queridos! Não condenemos as pessoas que sofrem, comprimidas que estão pela dor, ao despertar de um sentimento claustrofóbico pelo cubículo de nossa teologia! Nem tampouco elogiemos essa compreensão que outros têm pois, afinal, não é um exemplo de fé, mas de uma distorção grave do que a melhor teologia dos Evangelhos traz para nós.

Nos Evangelhos Jesus patenteia que Deus não gosta do sofrimento. Ele afirma que Deus é Bom, e quem é moralmente e inteiramente bom não pode fazer o mal. Ele mostra que Deus chora com a morte, pois não era para ser assim. Não foi isso que aconteceu em João 11:35 quando Jesus viu o sofrimento das irmãs de Lázaro e do povo que ali estava? Não seria assim que deveríamos reler o Salmo 116:15 que fala de uma morte “preciosa” dos santos de Deus, mas que na melhor tradução deveria ser “custosa”? Deus não sabe o custo do sofrimento que a morte traz para as pessoas, quanto mais aquele que foi santo e reluziu nesse mundo? Deus não sabe como é custoso, difícil ter verdadeiros luzeiros no mundo?

Não meus queridos! Não é bom colocar pessoas que sofrem num cubículo. Nem tampouco é apropriado louvar quem assim se expressa. As pessoas ao sofrerem tem de ser convidadas a se sentirem a vontade para se expressarem. A nossa teologia não deveria ser a da contenção (“seja forte!???”), mas a da humanidade. Deveríamos mirar o exemplo de Davi em I Samuel 30 e não fabricar robôs da fé, que mesmo dilacerados por dentro, exibem uma “firmeza” por fora. Nós, sim nós os que pregamos a vida e vinda de Jesus deveríamos aceitar e estimular o choro. Mesmo porque o texto bíblico afirma que “Deus enxugará de nossos olhos toda lágrima” e isso implica em: a) que o único que talvez possa não chorar na hora da dor seja Deus, embora a vida de Jesus me mostre um Deus profundamente empático, o que me leva a pensar que talvez Ele chore conosco; b) que para ele as lágrimas, as expressões que emergem da alma na hora da dor (sejam líquidas ou verbais), são plenamente aceitáveis e esperadas (quiçá desejáveis); c) que ao darmos vazão ao nosso sofrimento, ao simplesmente sermos autênticos, experimentamos o toque de Deus em nós. Ou seja, quanto mais choramos mais Deus toca na face da nossa alma para enxugar nossos olhos, para ministrar a confiança de que Ele estará conosco e para nos acalentar de que se o motivo do sofrer talvez nunca passe, a intensidade dele, a compressão que ele provoca, esta passará.

Termino convidando você a ter a coragem de sair desse cubículo teológico no qual nem cabe a unha de Deus e que perpassa o movimento evangélico brasileiro. Cubículo que retira das pessoas a sua condição humana não permitindo a elas exalarem sua dor e incentivando a drenagem da energia emocional com produções de uma altivez “fake”. Há hora se alegrar e há hora de prantear; mas não há hora para ser o que não é (Ec.3:1-12).

Rompa com essa idéia, até mesmo porque o exemplo de Jesus lhe autoriza a fazê-lo. Amplie sua visão sobre Deus e você verá que Ele se aproxima na hora do nosso sofrimento, pois o sofrer embora seja da vida, não é “kármico”. E que Ele console sua vida, com Sua presença e com Seu toque, enxugando toda lágrima que você tiver.

 

Pr.Sergio Dusilek

sdusilek@gmail.com

 

 

 

 

 

 

 

junho 8, 2016

O NOVO ELDORADO DA FÉ e seus predadores

Filed under: Sem categoria — sdusilek @ 3:14 pm

Ontem ouvi de um pastor que possivelmente Ana Paula Valadão e o esposo trocarão o bairro nada agradável da Lagoinha em Belo Horizonte, pelo paraíso que é o Recreio dos Bandeirantes na capital fluminense. Até aí nada de tão estranho, pois quem conhece mineiro sabe da predileção que este cativante povo, chamado mineiro, tem pela praia. Além do mais… pensa bem… Lagoinha-inha-inha-inha atrás e o MAR à frente… chega a ser injusto, não é mesmo? Contudo essa vinda não seria para uma aposentadoria precoce, mas para abrir uma filial da Lagoinha pro lado de cá da poça. É certo que cada um pode abrir uma igreja onde quiser, ou melhor, onde Deus apontar. Mas por que todos os caminhos levam para a região da Barra-Recreio, esse novo Eldorado da fé?

É verdade que há muito espaço e gente precisando de igreja. A estratégia de algumas igrejas estabelecidas há mais tempo na região de querer entupir seus corredores ao invés de plantar novas congregações acabou revelando sua debilidade nesses movimentos de chegada de outras denominações ou de surgimento de igrejas/empresas-familiares (aquela em que, se Deus dá uma direção espiritual para os encontros e rituais, nos desencontros da dimensão eclesiástica as soluções e proposições não são congregacionais, mas conjugais e, quando muito, familiares (leia-se: família do fundador). O fato persiste: num local de franco crescimento imobiliário, há muitos lugares que podem receber uma nova igreja, ou até mesmo aquilo que se diz igreja.

O Eldorado está especialmente ligado a outro fator que é o poder aquisitivo da futura membresia. São pessoas, na sua grande maioria, com um poder aquisitivo acima da média. Ora, isso aguça o interesse de muitos plantadores de igrejas e denominações que pensam como corporações eclesiásticas. Nesses casos, a definição de onde plantar uma filial está em estreita ligação com a taxa de retorno do investimento. Não é o que Deus diz, mas o que o negócio, ainda que eclesiástico, manda. Por isso ao plantar uma filial em Niterói, por exemplo, a Lagoinha não procurou fazê-lo no Barreto, ou mesmo no Fonseca e em outros bairros mais humildes. Ela foi para locais mais abastados, começando por Icaraí. E isso não é porque Deus mandou. Bom, pelo menos não o mesmo Deus a quem nós (eu e você) nos referimos. Foi por divina orientação de Mamom mesmo.

Há que se considerar a mentalidade aberta das pessoas desta região. Como boa parte é emergente, são pessoas que trazem consigo a simplicidade da vida suburbana, conquanto gostem do conforto (e fazem muito bem) que locais mais privilegiados sinalizam e propiciam. Em tese, se impressionam com a religiosidade do espetáculo, com os cultos-entretenimento porque foi essa classe e geração ascendente que projetou e acolheu os “stand-up comedy”. Por isso para ela, igreja boa é aquela com boa acomodação (ar e assentos estofados), louvor psicodélico com luzes e gelo seco e a pregação em formato de stand-up comedy em que vale a veia cômica do pastor, a capacidade dele em fazer o povo rir. Não é a toa que os espaços de culto deixaram de ser Templos e se tornaram teatros. Se não fosse a iconoclastia notadamente presente nos movimentos puritanos pós-Reforma Protestante, dificilmente se poderia conciliar a reverência da arte sacra com essa banalização e bestialização do espaço sagrado que ocorre em nossos dias.

Essa mentalidade possui um caráter provinciano por conta de sua origem. Isso faz com que a importância de alguém seja dada não por aquilo que ela é ou significa para nós, mas por sua visibilidade, o que na indústria cultural atual é forte indicador de sua popularidade. Por isso pessoas correm atrás de “famosos” e igualmente por isso os que não têm fama buscam “seu lugar ao sol”. Justamente por isso é que as pessoas são levadas de um lado para outro, em busca do famoso do momento.

Nessa esteira está parte dos cantores da MK os quais, um após o outro, vão abrindo suas igrejas e vendendo seus produtos religiosos nesta região. Curso de jejum a R$50,00, apostilas, os próprios CD´S e outros. Não são pastores, não têm formação teológica alguma o que os faz dizerem as maiores besteiras as quais adoecem espiritualmente e emocionalmente os crentes, nem tampouco são exemplos de fé, de vida, de integridade. Mas possuem a capacidade de ministrar o louvor e algum bom-senso para administrar as pessoas. No entanto, o seu grande diferencial está na capacidade de desenvolver uma marca, assim como na ausência de amarras, sejam elas teológicas, morais, ou mesmo de conhecimento bíblico, que os permite transitar oferecendo ao povo o que este quer e não o que Ele manda.

Já se perguntou o porquê desses grupos e artistas, que possuem recurso para investimento, não iniciarem seu trabalho pela Zona Sul Carioca, especialmente por Ipanema e Leblon? É simples: mesmo com toda fama, eles seriam desprezados. O sangue “a-Sul” não se interessa pelos indicativos da visibilidade, pois eles são os visíveis (ainda que muitas vezes invisíveis!). Não foram eles que deram espaço para o stand-up comedy, embora também curtam, porque naquela mentalidade, teatro é melhor que apresentação individual. O humor desse pessoal da zona sul é embalado por Marco Nanini e não por Paulo Gustavo. O gosto, a capacidade crítica, a percepção da cultura e de suas formas de manifestação são diferenciados de mais para serem equalizados pelas fórmulas repetitivas e cansativas presentes no discurso e modelo organizacional dessa turma. Num local desses, MK, Lagoinha e outros, possuem parcos índices de adesão. O discurso desses grupos está muito longe da realidade de vida daquela turma. As últimas besteiras antológicas que Ana Paula Valadão (cante minha filha! Pare de falar! Deus mandou você cantar!) andou dizendo soariam como um atestado de asnice para gente culta, descolada e com larga experiência transcultural como a turma de Ipanema  Leblon.

Talvez você a essa altura ache que eu deva estar preocupado com esse movimento, afinal faço parte da liderança de uma igreja batista nessa região (www.igrejamarapendi.org.br). Falar que não estou preocupado seria uma mentira; contudo minha preocupação não é necessariamente a mesma a que talvez você se refira. Ela está ligada ao Evangelho do Reino que tem densidade e força para adentrar as camadas mais espessas da realidade e transformar o mundo a nossa volta. Só que acho difícil que isso aconteça no meio de igrejas-corporações, de predadores religiosos, pois trabalham para arregimentar gente salva e integrada. Quando você percebe que mais coisa estranha ao Evangelho, que mais entretenimento gospel tende a aportar por aqui, dá um frio na espinha, pois mais gente machucada, desesperançada vai ser enviada por Deus para ser cuidada pelos reais pastores da região.

Na linha da preocupação então, devem estar tensos todos aqueles líderes religiosos que estão fazendo mais do mesmo. Ora, se todos estão em células; se todos procuram ter um culto emotivo com alta dose de entretenimento; se todos são “operados” pelos mecanismos religiosos da culpa e do medo; se todos estão envoltos numa cultura de massa, sem o cuidado pessoal-pastoral com as “ovelhas”; e se estas igrejas promovem a imaturidade espiritual, não estimulando seus membros à reflexão, a pensarem sua fé (I Pe. 2:15), mesmo porque assim seus líderes se tornam isentos de avaliações e críticas; quando se ouve sobre a possível chegada de uma organização religiosa “concorrente” (sim minha querida leitora, no ambiente de igrejas-empresas que mantém pesados departamentos de marketing não há cooperação e sim concorrência) que é “benchmarking” é preciso temer (segundo e seguindo a lógica deles).

O fato de termos uma pegada mais de igreja batista, segundo minha impressão, faz com que não tenhamos um crescimento explosivo, mas faz com que criemos relações proximais, consistentes e duradouras. O fato também de não adequarmos nossa pregação; de não “oferecermos” mais do mesmo (nem todos que nos visitam ficam, mas os que ficam tem motivos para ficar); de não tratarmos a igreja como massa de manipulação; de convidar e oferecer insumos para a maturidade espiritual, para a reflexão; de ter a porteira aberta a ponto de entender que possivelmente os membros visitem ou visitarão essas outras igrejas (embora possa estar iludido pensando que lá não ficarão); o fato também de muitos terem se machucado nesse formato que não é a Igreja como preconizada no Novo Testamento; me permite pensar como líder de um grupo que isso não fará parte do nosso horizonte de preocupações aqui. Destaca-se também o background desse processo que é a certeza de que lideramos uma Igreja de Jesus, procurando viver Seu amor e com temor a Ele. Tenho descoberto que o maior interessado na sobrevivência, existência e expansão da Igreja Batista Marapendi é o próprio dono dela: Jesus.

Termino dizendo que oro para que esse processo que nada tem a ver com Deus, mas sim com uma visão mercadológica do universo religioso e da expansão desse mercado, em algum momento pare. Que a plantação de igrejas em tantos locais necessários continue sendo feita, mas não por predadores da fé e sim por gente temente a Deus. E que aqueles que se sentem ameaçados ou prejudicados com notícias e atitudes como as que citamos, que seja uma oportunidade para rever a travessia eclesiológica. Afinal, não fomos chamados para sermos “CEO´s” de corporações religiosas, para “montarmos igrejas herbalife”, mas sim para sermos pastores, ou se preferir, assistentes do jardineiro que é o nosso Pai (João 15:1).

Pr.Sergio Dusilek

sdusilek@gmail.com

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