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dezembro 29, 2017
dezembro 13, 2017
IMAGÉTICA DO NATAL (Lc.2:1-7)
Igreja, esse assunto que ainda me “mata”…
Por vezes me pego pensando sobre a Igreja, essa paixão existencial e temática que continua me arrebatando e, porque não dizer, me arrebentando… Olhando para a Igreja hoje, nem de longe gostaria de ser o Senhor dela. Acho até que Jesus está numa nova via cruz…
Há de tudo hoje. Igreja corporativa (pastor é o gerente, Diretor…Presidente!), igreja tribo, igreja terreiro (não tem diferença alguma do culto dela para a cerimônia do Candomblé, por exemplo), igreja pra lá de ortodoxa, igreja reformada, igreja em construção, igreja sem construção; com propósito, sem ele; igreja estilista, com vários modelos: o de luta (“MMA”), o do paradoxo (implanta o grupo e reforça a individualidade (deveria chamar tecido e não célula); igreja para nichos de mercado (black church; gay church; surf church; piercing church, etc.); igreja tradicional, contemporânea, ultra-contemporânea, e psicodélicas; igreja salada (tem um pouco de tudo: do chuchu ao tomate, do agrião ao jiló); igreja avivada, igreja sem vida; igreja hospital (aquela que você fica o tempo necessário para ficar bom, e depois sai fora); igreja inclusiva, exclusiva, exclusivíssima (“prime”)… o que mais?
Fato é que esses diversos modelos, formas de ser igreja, apontam para a diversidade da própria Igreja, a qual também é encontrada nos modelos de Igreja do Novo Testamento. Nenhuma das Igrejas lá mencionadas são iguais: Filipos não é igual a Éfeso, que por sua vez difere da de Tessalônica. Todas plantadas pelo missionário Paulo; todas diferentes. A cultura da cidade, a forma como as pessoas receberam o evangelho, foram determinantes para o que elas vieram a se tornar. Em comum, então, além (nos exemplos citados) do plantador, o cerne da mensagem cristã, e a certeza de que todas elas eram inacabadas. Por melhor que fossem, eram imperfeitas.
Essa diversidade eclesiástica deveria nos fazer reconhecer o caráter inclusivo da Igreja de Jesus, bem como sua atual falha em SER IGREJA. Ora, se são criadas igrejas para nichos de mercado (vamos pegar um caso mais pacífico para nos ajudar a refletir, a turma do surf), é em parte porque as demais Igrejas existentes perderam sua condição inclusiva. Deixaram de acolher o diferente e as diferenças. Se petrificaram com o tempo (uma tendência natural em todo organismo social e que já começa a atingir, por exemplo, a Bola de Neve), perdendo aquela leveza e suavidade, aquele frescor espontâneo do primeiro momento, do primeiro amor. Não sei se deixam de ser igreja… mas com certeza já não é mais a Igreja que Jesus sonhou.
Esses modelos afetam a vida e a visão pastoral. Ao invés de serem pastores, de conviverem com as pessoas (ovelhas), eles passam a cumprir papéis organizacionais. Passam a ser avaliados pelos padrões da administração e não da ministração do Espírito. Se debatem com metas, com cobranças, com equilíbrio de forças antagônicas, ora agradando aqui, ora agradando ali. Sua alma, que deveria ser lugar de descanso para busca de pastagens, se torna seca, árida. Ao cumprir outros papéis para os quais não foram chamados, os pastores perdem muitas vezes a visão, o espaço e o renovo do Espírito. Ao serem cobrados por coisas que nada tem a ver com o ministério pastoral e ao serem injustiçados nas, quem sabe, “raras” vezes que conseguiram ser de fato pastores, se sentem desestimulados, cansados, abatidos, perplexos e por vezes exauridos a ponto de não verem mais sentido na própria vida. Sim, o número de pastores que tem pensado e praticado o suicídio é crescente. Mas também, como seguir na vida se essa vocação que toma conta por completo do coração (falo da vocação pastoral), passa a não mais fazer sentido?
Os modelos trazem outra coisa: as adequações, as concessões, não ao que deve ser a Igreja, mas àquilo e àqueles que lutam para que a Igreja não seja aquele grupo heterogêneo formado por pessoas que seguem a Jesus de Nazaré. As cobranças por atitudes, por exclusões de pessoas que pecam ou pensam (ou ainda pecam porque pensam) diferente de nós. Sim: o pecado insuportável é o do outro, principalmente quando ele aponta para a projeção que faço nele…
Ao serem absorvidos por papéis organizacionais, burocráticos (que numa certa dimensão fazem parte também da ação pastoral), pelo atendimento de metas e expectativas que não são a do Espírito, por expectativas denominacionais, os pastores deixam de ser pastores. Isso porque o pastorado existe no binômio com rebanho. Se você é pastor de igreja e cuida só das paredes do templo e não das pessoas, sua atividade deixou de ser pastoral. Talvez aí esteja um indicativo, um termômetro: quando a igreja precisa de uma reforma, de uma expansão, e você se vê absorto em problemas administrativos, sem tempo de cuidar e estar com as pessoas, isso dá uma agonia na alma, por se sentir preso à estas questões? Ou você fica feliz, se sente livre? Dependendo da resposta talvez sua vocação seja outra que não a pastoral.
Pastoreio com outros dois amigos a Igreja Batista Marapendi (www.igrejamarapendi.org.br). Ela não tem muitos membros. Não está explodindo em números, mas acho que explode em respeito a diferença. Lá temos amilenistas e pré-milenistas dispensacionalistas, destes que oram e vibram pela decisão do Trump em reconhecer Jerusalém como capital do Estado de Israel; temos gordos e magros; secundaristas e doutores, graduandos e mestrandos; temos gente mais abastada e com menos recursos; que trabalham em multinacionais, que são militares, que tem negócios próprios; engenheiros, médicos, administradores, professores, trabalhadores do judiciário, funcionários públicos e da iniciativa privada, dentistas, pesquisadores, advogados. Temos também noivos, casados de pouco tempo, casados de muito tempo; jovens, adultos, crianças e anciãos; temos eleitores de Bolsonaro e de Molon; gente que é fã do Moro e gente que é fã do Lula; gente que vai de bermuda e de calça tergal; gente teologicamente mais progressista, gente que pende para o neopentecostalismo, gente bem mais conservadora, quiçá fundamentalista. Temos gente de berço evangélico bem como oriunda de outras tradições religiosas; gente bem humorada e mal-humorada; pessoas de espírito leve e outras de alma pesada; é, temos também gente chata; gente que teve pais boníssimos, gente que teve pais dificílimos; gente com muitos traumas, e outros quase sem nenhum; gente adequada à “heteronormatividade” e gente em tensão com sua sexualidade; gente tatuada e gente com pele de bebê; gente de diversas cores, etnias; gente quebrada pela vida; gente restaurada pelo Evangelho. TEMOS GENTE.
Talvez você se pergunte: mas como ser Igreja desse jeito? Eu lhe respondo: tem como ser Igreja de modo diferente? Igreja é lugar de Gente. E o pastorado? É a dimensão do cuidado das pessoas. Nós não tratamos e não lidamos com esterótipos, com classificações como as que citamos acima. Nós lidamos com GENTE. Como pastor, aprendi isso com meu pastor em Belo Horizonte, o mesmo que confiou a minha recomendação ao Seminário do Sul em 1995, que sou zelador da Paz na Igreja. Isso não implica num “monismo” eclesial, mas na sabedoria para entender o tempo e a convicção para implementar mudanças, quando necessárias. Sobretudo, pregar o Evangelho, não o que dizem ou achem sobre ele, mas o que Jesus falou e exemplificou.
Por fim, não trocaria a experiência pastoral de Marapendi por outra qualquer, sem que fosse preservada duas coisas: a certeza do querer de Deus para esta mudança [por isso até hoje nunca pedi indicação, nem pedi para me arrumarem ministério em lugar algum, nem tampouco distribui currículo (???!!!!) para comissões de sucessão que abriram o processo de escolha de um novo pastor com tal expediente. Não devo favores; tenho gratidão] e a convicção de poderei continuar a ser pastor, estar com gente, convivendo com as diferenças, respeitando as discordâncias, sem abrir mão da convivência e da Unidade. Aliás, quer saber se Jesus está numa Igreja (além da promessa escriturística que Ele fez de onde estiverem dois ou três reunidos no seu nome…)? Veja se ela é muito diferente. Se for, se andar unida, se houver amor, mesmo com tanta diferença, é porque Jesus está ali, no meio (Mateus 26:56b) dessa comunidade.
É só por Ele; É só com Ele; É só para Ele.
Beijão.
Pr.Sérgio Dusilek
sdusilek@gmail.com
dezembro 11, 2017
O que está acontecendo com a CBB?
O que está acontecendo com a liderança da Convenção Batista Brasileira (CBB)? Esta pergunta não vem sem propósito: já faz alguns anos que a pauta da CBB, que por muitas vezes foi marcada por questões maiores, se apequenou de vez. A última foi a campanha lançada estimulando os membros das Igrejas Batistas a irem para suas igrejas vestindo azul, no caso de homens, e rosa, no caso das mulheres. O objetivo, segundo o atual presidente da CBB, seria o de “fortalecer as nossas famílias através da cosmovisão cristã e promover os princípios bíblicos não disseminando ações preconceituosas e discriminatórias, mas reafirmando os valores divinos com o propósito de transformar pessoas por meio do Evangelho” (site da CBB). No bojo desta campanha ainda está a noção de que:
- “Os argumentos ideológicos de gênero, não se sustentam e nem encontram respaldo apresentados nas narrativas bíblicas;”
- “Entendemos que o Evangelho e seus princípios são superiores à cultura e que esta deve ser compreendida à luz da essência da Bíblia” (site da CBB)
Já de antemão se percebe a contradição da proposição: ora, se é feita uma campanha que busca reafirmar uma crença, um valor, postura que é legítima para qualquer grupo social, necessário é reconhecer que automaticamente se reforça uma barreira cultural, pois tal atitude se torna discriminatória e reforça os preconceitos. Não há como se insurgir contra uma “concepção cultural” sem que se reforce linhas preconceituosas.
Não é só isso. A cultura, negada em alguns momentos na declaração do presidente da CBB, é reforçada em outros. Usa-se cores culturais para marcar o protesto. Chama-se de “argumento ideológico de gênero” àquilo contra qual se combate, sendo que diversos pesquisadores rechaçam a terminologia “ideologia de gênero”, o que demonstraria, ou um preconceito, ou então um desconhecimento da causa contra qual se procura combater. Em ambos os casos, a melhor posição seria o silêncio.
Perceba uma coisa: sou contra a escola dar direcionamento à sexualidade das crianças. Quem faz isso é a família. Contudo, sou a favor que a escola esclareça as diferenças e promova a convivência. A escola não deve ser local de massacre ideológico, nem para um lado, nem para o outro. Minha filha, hoje com oito anos, precisa aprender a conviver com o diferente e não só com os iguais, uma vez que o mundo é plural, embora alguns preferissem que ele fosse “singular”.
Essa campanha é eivada de equívocos. A começar pelo desconhecimento do “inimigo” que se propõe a combater. Parece que a liderança da CBB se recusa, ao elencar um inimigo de muros intransponíveis, de atender à recomendação divina de dar sete voltas ao redor dele (Josué 6).
Em segundo lugar esquece-se do seu papel e quem a compõe. A CBB é composta de Igrejas Batistas. Os filiados são as Igrejas. Quem recomenda participação nas Assembleias da CBB como mensageiro, é a Igreja. Ao promover uma campanha que busca vestir o membro a Convenção ultrapassa a barreira que ela mesma se propôs ao se constituir. O convite deve ser às Igrejas e não aos batistas.
Em terceiro lugar, ela cria uma série de dificuldades. Para muitos o ser batista é acatar no todo qualquer palavra da CBB. Há muita confusão sobre a relação da Convenção com as Igrejas, que não é de SUBORDINAÇÃO, mas sim de COOPERAÇÃO. Além disso há muita “medição” da “batistice” dos outros através de instrumentos menores como o uso de determinada cor na vestimenta do domingo. Ser batista é trabalhar num ambiente plural. Aliás onde há univocidade, desconfio que a “alma batista” desencarnou. Isso porque o governo democrático, apregoado por congregacionalistas como nós, nos impele a essa respeitosa convivência. Fico preocupado quando vejo colegas que aderiram a tal campanha indagar ou mesmo convidar os demais que não o fizeram a deixarem a CBB. Ora, a CBB se tornou uma ICAR (Igreja Católica Apostólica Romana)? Somos obrigados a cumprir as decisões da “cúria batista”?
Tenho que mencionar ainda que a discordância com a campanha não quer necessariamente dizer que as pessoas sejam simpáticas à postura que se tenta combater. Nesse sentido, a discórdia aqui envolve vários tons e não só as duas cores da atual gestão da CBB: a) há o tom da discórdia da agenda, pois há coisas mais importantes sobre as quais a CBB precisava se posicionar, mobilizar e protagonizar (reforma da previdência é um exemplo); b) a contaminação do “santo” dia da bíblia com outro aspecto que parece estranho a ele; c) a preocupação do empobrecimento da visão do texto bíblico, sim, porque esse tipo de campanha não o valoriza/resguarda, mas o diminui; d) a preocupação pastoral, com pessoas que lutam com aspectos da sua humanidade, tanto no tocante à sua aceitação, quanto no tocante à aceitação comunitária; e) a falta de empenho na busca de soluções para problemas intestinais da CBB, com consequente adesão às pautas que funcionam como cortina de fumaça; f) perda do espaço dialogal com a sociedade; g) perda da dimensão da Graça na pastoral por conta daquilo que Tillich corretamente chamou de moralismos, entre tantos outros fatores. Em suma, a discordância não implica em assunção existencial de uma pauta. Pode simplesmente indicar uma ação/preocupação pastoral.
Confesso que seria mais fácil atender a campanha da CBB. Das dez camisas que tenho, 6 são azuis e somente 1 rosa. E dei sorte dela não estar lavando… Eu a vesti em discordância com a CBB, com essa agenda diminuta, com esse paradoxal apequenamento que demonstra uma liderança tão inteligente (sim, meus queridos, tanto o presidente como o 1o vice-presidente da CBB são inteligentíssimos; daí a paradoxalidade). Eu a vesti em favor daqueles que sofrem com sua condição sexual rotulada culturalmente como não normal. Eu a vesti contra o preconceito, que também está em mim, e contra o qual luto a cada dia. Eu a vesti em favor do diálogo. Não se salga uma sociedade botando sal colorido (azul e rosa) no saleiro. Se salga no contato com pessoas que são e pensam diferente de nós. E isso só se consegue com a construção de pontes (como bem disse meu amigo Marcelo Madeira) e não erguendo muros.
Por fim, cabe dizer que o que se espera de uma liderança é que ela não encampe toda e qualquer campanha que surja. É preciso saber dizer não. Nós estamos como na época da Ditadura Militar, no seu último período, o do governo do General Figueiredo. Época em que o Brasil tinha inúmeros problemas (voltamos aos anos 80) e período em que os Batistas apoiavam integralmente um modelo ditatorial por conta de um vazio pronunciamento contra à chamada “imoralidade sexual”. É interessante… toda vez que o país mergulha num caos, num abismo sem fim (quer maior prova disso do que o aumento do gás de cozinha em 70% num período de 6 meses?!! E estamos em deflação??), tempo de grande desafio para as lideranças (sem dúvida), elas se apequenam sobre temas de moralidade sexual. Tantas coisas para serem denunciadas, que afetam, que destroem as famílias, pela fome, pela falta de saúde, mas a única coisa que se vê é a dimensão sexual… Será que a perplexidade cegou a atual liderança?
Promova campanhas para fortalecer, para salvar as famílias. Faça pronunciamentos contra a insensatez desse governo que diabolicamente espolia, dia após dia, os pobres deste país (Ezequiel 16:49). Promova uma nova ida às ruas, contra o governo corrupto do PMDB; ou só a esquerda que não pode ser corrompida? Promova campanhas que defendam seus ideais, mas comecem pela justiça e pela misericórdia (Mateus 23:23), antes de falarem sobre as demais coisas. Promova a identidade batista, seu governo congregacional e autônomo afastando esse ideal imperialista (totalmente estranho ao espírito batista) de abrir filiais da igreja matriz. Denunciem a assunção da temática neopentecostal nos cultos e púlpitos batistas, o que tem contribuído para o aumento dos desigrejados.
Termino dizendo que estou preocupado com esta sombra, com esta mortalha que está sendo colocada sobre o Brasil, sobre o Rio e sobre a denominação Batista. A impressão que tenho é que estamos andando a galope rumo a um passado que não é nosso, ao caminho da Inquisição. E ao chegar lá descobriremos, como batistas, que nos tornamos outra coisa. Algo muito distante do divino propósito para o qual creio que Deus permitiu que fôssemos criados. A denominação que ajudou a difundir a liberdade de consciência, a liberdade religiosa e a liberdade de expressão; o grupo que melhor encampou a liberdade, fruto da Graça cristã, está se tornando cada vez mais pejorativamente severo, parecendo o Calvinismo da época do Iluminismo que ironicamente foi denunciado por Voltaire em suas Cartas Inglesas.
A única esperança que tenho, é que as vozes dissonantes deste movimento monolítico, legalista que aí está, se façam ouvir nas Assembleias da CBB. É nesse sentido que penso em retornar ao convívio desse ambiente. É o que sugiro a você também. A chance de uma mudança é quase nula. Mesmo assim cabe a nós fazer ecoar a voz do Espírito, ainda que seja para juízo de um grupo tão especial como é o Batista.
Em oração,
Pr.Sérgio Dusilek
sdusilek@gmail.com
(http://www.convencaobatista.com.br/siteNovo/pagina.php?NOT_ID=78)