Nos primeiros séculos da era cristã progrediu uma doutrina religiosa-filosófica muito combatida por Santo Agostinho chamada Maniqueísmo. Basicamente o maniqueísmo defendeu um dualismo, isto é, a existência de duas forças equivalentes e antagônicas, chamadas bem e mal. Logicamente que Agostinho precisou denunciar o elevado grau herético de tal posição. Deus é o Sumo Bem e nada se pode comparar ou antagonizar a Ele. Agostinho levou o combate ao maniqueísmo a um extremo, ao desidratar o mal. Para o filósofo cristão, o mal não tinha substância: só existe como ausência do bem. Lembro a você que gosta de florear o Armagedom que nem batalha vai ter: a Bíblia testifica que as hordas infernais serão destruídas pela Palavra. Sim, a Palavra de Deus foi o princípio Criador de tudo; a ela caberá o desfecho também.
Nesses dias de polarização, alguns ainda vivem sob os auspícios de uma Guerra Fria, onde a tensão dual capitalismo-comunismo era bem evidente. Bom, desde o desmonte da URSS com a Perestroika de Gorbachev e a Glasnost de Yeltsin, e também a “capitalização” da China, não dá mais, histórica e honestamente falando, para sustentar esse maniqueísmo político. A Guerra Fria congelou no tempo…
O melhor hoje seria pensarmos em projetos de humanidade. Independente da linha ideológica (sim, existe ideologia de direita e de esquerda; de centro, de centro-esquerda, de centro-direita, etc.), deveríamos discernir aqueles homens e mulheres públicos que se preocupam com a humanidade, com a construção de um mundo melhor. Numa linguagem bíblica, que encarnam os valores do Reino, mesmo que, por enquanto, ainda não pertençam ao Rei. O Reino e os valores do Reino independem da crença neles; são como o Rei, existem quer você queira ou não.
As eleições acabaram em 2018. Em tese não haveria motivos para polarização, entretanto o maniqueísmo teima a imperar nesse país. E isso tem uma razão primordial simples: não há nada mais a direita do que Bolsonaro. Por isso que fica fácil rotular um neoliberal direitista como Dória de petista, assim como Witzel e até, pasmem, Ronaldo Caiado. Até então, nunca houve nas corridas presidenciais, nada mais à direita que Caiado. Agora, a claque o rotula de petista… Não meu querido, um crítico do atual governo não o faz adepto, necessariamente falando de uma ideologia de esquerda. Pode ser puro bom senso na leitura do que aí está.
O problema desse maniqueísmo é que ele funciona como um meio diabólico de deslegitimar quem pensa diferente. No púlpito da Igreja onde tenho o privilégio de servir como um dos seus pastores, já pregou tanto pastor bolsonarista, quanto petista. Para nós importa integridade ministerial na transmissão da Palavra. Interessante é que Jesus ensinou para deixarem que outros seguissem fazendo a obra, contrariando a expectativa censora dos discípulos. Muitos hoje entendem que quem não está no mesmo barco, na mesma vibe, é contra. Como se no mundo só existisse um único ou mesmo dois barcos somente…
Soma-se ao maniqueísmo a apreensão do discurso religioso. A política não se tornou uma forma de religião na modernidade (Troeltsch), mas ao transpor o uso das categorias para a apropriação da linguagem religiosa, se tornou a religião, ou pelo menos, a continuidade, a extensão dela. O resultado? Novo endosso da polarização em que o pensamento divergente agora é desqualificado como herege. Na seqüência, todos nós sabemos que está destinado a todo e qualquer herege a fogueira. Sim, vivemos tempos inquisitórios, de caça as bruxas, de obscurantismo, de intolerâncias… um tempo beligerante, do nós contra eles, que tem matado as relações e esquecido do fato de que a maior parte das pessoas não perambula pelos pólos…
É esse obscurantismo que grassa ao demonizar o pensamento crítico, ao negar a ciência, ao dar valor ao sofisma, a opinião, e não ao que os cientistas têm falado. Se a opção obscurantista representasse uma adesão de mesa, de escritório, não teríamos maiores problemas. A questão é que o obscurantismo invariavelmente redunda em mortes. E pior: quem morre não são os obscurantistas, mas sim os demais; é como acidente de carro com bêbado ao volante: mata e fere todo mundo do outro lado e praticamente sai ileso…(e olha que essa tese não é obscurantista, conquanto pareça…).
Meus queridos e queridas, não estamos mais falando em preferências políticas. Estamos em outro patamar. A questão, por conta da Pandemia, é entre a vida e a morte. Sim, continuamos num túnel aflitivo que mistura pandemia com recessão. Mas, lembre-se: entre o sábado (ou qualquer outro fator, como a economia) e a vida, Jesus sempre optou pela vida. Lembra da frase: em primeiro lugar, as primeiras coisas? Então, a primeira coisa a se fazer é salvar vidas.
Definitivamente esse maniqueísmo não interessa a nós e sim àqueles que controlam, disputam e mantém o poder por tais narrativas. A nós cabe não brincarmos com a vida, nem acolhermos, por mais que gostemos das pessoas, palavras e orientações que a coloquem em risco. Pense nisso sob a orientação e benção de DEUS
Pr. Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek /// sdusilek@gmail.com